A História da Psicomotricidade e da ABP – Autor: Regina Morizot

AUTOR

Regina Morizot
Presidente de Honra da Associação Brasileira de Psicomotricidade
Sócia Fundadora e Titular com Especialização da ABP
Psicomotricista – Formação Ramain
Fonoaudióloga
Pedagoga –Faculdade de Educação, Ciências e Letras – Notre Dame
Psicanalista – SPAG-RJ –Sociedade de Psicologia Analítica de Grupo
Terapeuta de Grupo e Família

A História da Psicomotricidade e da Associação Brasileira de Psicomotricidade

Estamos comemorando um século do nascimento da Psicomotricidade e, com muito orgulho, os cinquenta anos da nossa história. Portanto, não poderíamos deixar de fazer uma viagem ao túnel do tempo, rememorando essa trajetória.

A França foi o grande berço da Psicomotricidade. O termo surge a partir do discurso médico, na área neurológica, e atribui-se a Karl Wernick, célebre neuropsiquiatra austríaco, a primeira nomeação em 1870, resultante de seus trabalhos na área das afasias. O conceito de Psicomotricidade aparece em um primeiro momento como uma tentativa bem sucedida, de ultrapassar o modelo anátomo-clínico, que não era mais suficiente para enfocar certos fenômenos patológicos. O ato do nascimento da Psicomotricidade é, sem dúvida, mais ou menos arbitrário, pois toda a inovação é fruto de um longo processo contemporâneo às pesquisas de Dupré.

Em 1907, Ernest Dupré, renomado psiquiatra francês, enfatiza a relação psiquismo-motricidade, evidenciando o paralelismo psicomotor. Considerado o principal iniciador da Psicomotricidade na criança, abalou um dogma, com a introdução genérica da debilidade psicomotora e suas relações com a deficiência mental. A síndrome era colocada em evidência a partir de três estigmas principais: falta de destreza, sincinesias e paratonias, que não eram atribuídas a uma lesão do sistema piramidal, mas somente a uma insuficiência. Surgem os primeiros trabalhos que constituíram o início de uma elaborada reflexão sobre os movimentos corporais. O paralelismo psicomotor iria predominar durante muitas gerações. A partir de 1925, são relevantes os trabalhos de Henri Wallon, enfatizando o comportamento tônico ligado à emoção e à estruturação do caráter e considerando o movimento como a primeira estrutura de relação com o meio. Dupré e Henri Wallon estão na origem da Escola Francesa de Psicomotricidade.
A partir da década de 30, são incorporadas outras noções decorrentes de pesquisas no campo da Psicologia e da Psicanálise. Destacam-se as contribuições de Jean Piaget (1936) nas áreas da Psicologia e da Biologia, interacionando as fases de desenvolvimento corporal, cognitivo, afetivo e social e, de Gesell, elaborando uma escala de desenvolvimento vinculado às faixas etárias.

As primeiras práticas reeducativas despontam. Georges Heuyer, titular da primeira cadeira europeia de psiquiatria infantil, utiliza, em 1925, o termo psico-motricidade para designar a associação estreita entre o desenvolvimento da motricidade, da inteligência e da afetividade. Edouard Guilmain introduz, em 1935, um exame psicomotor, por meio do qual era feito um diagnóstico, determinando as vias terapêuticas e influenciando o prognóstico com uma proposta que incluía exercícios de atenção, educação sensorial e trabalhos manuais.
Ainda, nesse período inicial, destacam-se os trabalhos de Henri Head (1911) sobre o esquema corporal, numa concepção fisiológica, e de Paul Schilder (1941) sobre a imagem corporal, inserida numa concepção psicanalítica, que constituiriam posteriormente, o grande objeto de estudo da Psicomotricidade.

O segundo período da evolução da Psicomotricidade é caracterizado pela emergência de uma identidade, inicialmente teórica e prática, precedendo a institucional. Trata-se de um novo marco. Ajuriaguerra em 1947, entrelaçando as contribuições de Dupré, Wallon e Piaget, lança um novo olhar sobre o corpo e o movimento, redefinindo os transtornos psicomotores e delimitando os termos motricidade e Psicomotricidade; o desenvolvimento práxico é correlacionado com o instrumento corporal e seu significado relacional. A Psicomotricidade é vista como uma atividade de um organismo total e expressa a personalidade inteira, que corresponderia a uma análise geral do indivíduo, traduzindo um certo modo de ser motor e caracterizando todo o seu comportamento. É o rompimento com o imperialismo neurológico. O polo psicomotor vai se liberando gradativamente do pólo orgânico, situando-se num prisma psicofisiológico, vinculado aos afetos e emoções. Concretiza-se, definitivamente, o afastamento da visão do dualismo cartesiano e a palavra psico-motricidade perde o seu hífen.

As técnicas reeducativas afloram no final da década de 50 direcionadas aos distúrbios psicomotores, fruto de exaustivos trabalhos de Ajuriaguerra, Diatkine, Lebovici, entre outros, no Hospital Henri-Rouselle. É elaborada uma nova descrição da abordagem terapêutica com exame psicomotor, métodos e técnicas adaptadas aos diversos transtornos. Nesta metodologia já são assinalados os grandes eixos da Psicomotricidade dos tempos modernos: equilíbrio estático, equilíbrio dinâmico, coordenação viso-motora, organização espacial e temporal, estruturação do esquema corporal, lateralidade e domínio tônico. A oficialização da Psicomotricidade como uma nova especialidade, ocorre em 1963, com a criação do Certificado de Reeducação concedido pelo Hospital Henri Rouselle.

A importância do conceito “relação” é fortalecida e valorizada a partir dos anos 70, como resultado das pesquisas de Jean Bergès, René Diatkine, Lebovici, Launay, Jolivet, entre outros, com o olhar da psicanálise, e a inserção das contribuições dos pós-freudianos: Melanie Klein, Donald Winnicott, René Spitz, Margaret Mahler, William Reich, Paul Schilder, Jacques Lacan, Maud Mannoni, René Zazzo, Sami-Ali e Françoise Dolto.

Jean Bergès teve lugar de destaque com a criação de técnicas de diagnóstico e de relaxação e o enriquecimento da nosografia. A prática psicomotora é também influenciada por terapias de inspiração não-freudianas, como a Análise Bioenergética, Gestalt-terapia e o Psicodrama, convivendo com as semelhanças e diferenças.

No terceiro quarto do século, teve início a diversificação das doutrinas e linhas de atuação. São mencionadas três importantes direções: os métodos provenientes da Educação Física, liderados por André Lapierre, Bernard Aucouturier, Jean Le Boulch e Pierre Vayer; uma corrente de reeducação psicomotora eclética; e a abordagem específica da terapia psicomotora, destacando-se as técnicas e métodos vivenciais de Françoise Desobeau, Iann Beltz, Huguette Bucher, Germaine Rossel, Françoise Geromini e Giselle Soubiran.

Em 1974 é fundada, na Bélgica, a Sociedade Internacional de Terapia Psicomotora.

A PSICOMOTRICIDADE NO BRASIL
Ouvir a voz que vem do interior
Regredindo no tempo
Corajosamente
Traz a luz do presente
Lembranças... ansiedades,
De bandeirantes que fomos
Em uma nova era.

Ao fazermos um retrospecto, percorrendo o itinerário da Psicomotricidade no Brasil, podemos constatar que já temos uma história que nos pertence, e da qual nos orgulhamos, passando por muitas lutas, gerando mudanças e transformações, ampliando os nossos horizontes e conquistando o nosso espaço.

Remontamos este histórico a partir dos anos 60. O corpo e o movimento eram muito valorizados como elementos coadjuvantes em áreas diversificadas da reabilitação, com pouca referência ao termo Psicomotricidade, por ser praticamente desconhecido entre nós. O alvo era a população das Escolas Especiais, Instituições e Classes hospitalares, que atendiam aos deficientes mentais, motores e sensoriais. No Rio de Janeiro eram criados os primeiros cursos de formação de professores de deficientes físicos, mentais, visuais e auditivos, e as atividades corporais foram incentivadas, devidamente adaptadas a cada grupo, a saber, ginástica rítmica, dança, jogos, dramatizações e educação gestual.

Tivemos acesso às primeiras informações e cursos de Psicomotricidade, por intermédio de profissionais que retornavam da Europa e/ou pela escassa literatura a que tínhamos acesso. A prática começou a ser desenvolvida em classes hospitalares, escolas e instituições de atendimento aos excepcionais e deficientes. Um trabalho precursor é atribuído a Marly Guimarães Froes Peixoto que, retornando de cursos na Itália e na França, divulgou importantes informações, organizando um precioso documento sobre a Psicomotricidade (1967). Nesse período, são realizados atendimentos no Hospital São Francisco de Assis, na Associação Brasileira Beneficente de Reabilitação (ABBR) e no Instituto Helena Antipoff, todos na cidade do Rio de Janeiro, sendo que este ultimo contou com a colaboração de Marta Lovisaro.

Em Belo Horizonte é introduzida a Reeducação Psicomotora no Instituto Claparède e na Clínica Psiquê Psicologia Aplicada (1968) ; a avaliação psicomotora fazia parte do diagnóstico psico-pedagógico, no Centro Médico Pedagógico (BH). Em Porto Alegre foi criado pela Secretaria de Educação do Estado, o Serviço de Educação Especial, inserindo no atendimento a Ortopedia Mental e a Educação Física. Em São Paulo, as técnicas de relaxação de Michaux eram utilizadas em tratamentos para deficientes motores, e o método Le Bon Départ e de Théa Bugnet, foram aplicados na área de educação. Haim Grünspun, renomado neuropsiquiatra paulista, enfatizava o movimento como coadjuvante no tratamento da criança excepcional e era prescrita a terapêutica ativa, por meio de exercícios naturais: andar, correr, saltar, rastejar e rolar. A ginástica rítmica era valorizada nos distúrbios de conduta.

Grünspun (1976) publica o livro “Distúrbios Neuróticos da Criança”, dedicando um capítulo de cinquenta (50) páginas sobre os distúrbios da Psicomotricidade, incluindo descrição, ampla avaliação e atuação terapêutica. Antonio Lefebvre (apud, DIAMENT & CYPEL,1989) , famoso profissional da área de neuropsiquiatria, realiza uma pesquisa com crianças brasileiras e publica alguns anos depois, uma escala de avaliação do desenvolvimento psicomotor, na faixa etária de 3 a 7 anos .Em Minas Gerais o movimento era liderado por psicólogos e em Porto Alegre a prática era desenvolvida entre os reeducadores, e no Rio de Janeiro, concentrava-se na área da terapia da palavra. A Psicomotricidade é incluída como parte do currículo da Faculdade de Logopedia da UFRJ ( 1965)

O método Ramain entra em nossa história com a vinda de Simonne Ramain, que inicia a primeira formação no Brasil (1968), com duração de três (3) anos, incluindo práticas vivenciais e técnicas com estágio. O Curso foi coordenado por Solange Thiers (RJ), Relindes de Oliveira (PR) e Márcia de Moraes (RJ).
A Escola Argentina marcou sua presença através de um curso ministrado por Júlio Bernardo de Quirós, no Rio de Janeiro, com abordagem de teorias relacionadas aos distúrbios da linguagem e escrita e da aprendizagem, proveniente de falhas corporais, valorizando a postura e a potencialidade corporal.

ECLOSÃO DA PSICOMOTRICIDADE NO BRASIL

Na década de 70, a Psicomotricidade realmente eclodiu entre nós, destacando-se duas tendências: a) a generalista, na qual qualquer abordagem corporal nas áreas de educação ou reeducação era considerada prática psicomotora e, b) as correntes com aplicação de métodos ou linhas de trabalho resultante de cursos iniciais, que utilizavam os métodos Ramain, Le Boulch, Picq & Vayer , Hughette Bucher e Dalila Costallat. As avaliações eram consideradas a mola propulsora, e as preponderantes eram baseadas nas propostas de Ozeretsky, no “bilan” de H. Bucher e na escala de desenvolvimento infantil de Gesell.
Alguns profissionais optavam por um método eclético. Ecletismo traduzido por fragmentos de diversas correntes, via de regra, inserido nos atendimentos fonoaudiólogicos, pedagógicos ou psicológicos. No final dos anos 70, diversos cursos são ministrados em Instituições e Clínicas particulares no Rio de Janeiro e em alguns estados. As vivências corporais começam a ser requisitadas por profissionais das áreas de Educação e Saúde, e cresce, de forma acentuada, o interesse pelas supervisões.

DA EDUCAÇÃO E REEDUCAÇÃO À TERAPIA PSICOMOTORA

Em 1976, recebemos pela primeira vez Françoise Desobeau, uma das fundadoras da Sociedade Internacional de Terapia Psicomotora, convidada por Beatriz Sabóia, para realizar um curso no Rio de Janeiro. Foi um marco revolucionário, com a introdução de outra ótica da prática: a terapia psicomotora. As técnicas instrumentais e mecanicistas foram substituídas por atividades livres e espontâneas, valorizando o jogo e o brincar, com a utilização de objetos dinâmicos, afetivos e de construção. Na visão da terapia preconizada por Desobeau, a criança se engaja em jogos projetivos e simbólicos, realizando representações inconscientes. O terapeuta participa do brincar em uma interação contínua, verbal e não verbal, valorizando o toque, o olhar e a escuta. A criança trabalha com o seu próprio desejo, escolhendo suas atividades, com liberdade para vivenciar a agressividade, excitação, desejo, emoção ou desenvolver sua sensibilidade através de um contato corporal mais profundo. A formação pessoal do terapeuta se torna imprescindível.

Trata-se de um período bastante complexo e conflitante, peculiar às formas de evolução, amadurecimento e crescimento, com a passagem da reeducação à terapia. Até então, contentávamos-nos em avaliar as alterações psicomotoras com o máximo de precisão e preencher as lacunas, visando através de exercícios, integrar a criança, o mais rápido possível à “normalidade”.
Françoise Desobeau continuou vindo ao Brasil, anualmente, durante uma década, dando continuidade à formação iniciada, participando dos Congressos, e destacando-se como uma das grandes incentivadoras da fundação da Sociedade Brasileira de Terapia Psicomotora, nome de batismo.

No início dos anos 70, pela grande demanda profissional, começam a despontar alguns cursos básicos, vivências, cursos de especialização e de formação. Em 1977, Beatriz Sabóia, é titulada pela SITP – Sociedade Internacional de Terapia Psicomotora, cumprindo todas as normas e exigências de uma Banca Internacional, sendo reconhecida oficialmente como psicomotricista.

O NASCIMENTO DA SOCIEDADE

Foi com muita emoção que foi fundada a Sociedade Brasileira de Terapia Psicomotora (SBTP) em 19 de abril de 1980, na Clínica Beatriz Sabóia no Rio de Janeiro. Faltam adjetivos para descrever os nossos sentimentos – ansiedade, alegria, euforia, esperança, e uma sensação prazerosa - mescla de vitória e missão cumprida. Profissionais de diversas áreas da Educação e Saúde, provenientes de alguns Estados começaram a se reunir e trabalhar incessantemente por um período de dois anos, tendo como objetivo a organização e criação de uma Sociedade. Sem dúvida, foi o momento mais significativo da nossa história, que viria a possibilitar a unificação da Psicomotricidade no Brasil, o intercâmbio de experiências técnico-científicas, a luta pela formação e o reconhecimento da profissão.

Os sócios fundadores elegeram um Conselho Provisório, e Beatriz Sabóia ocupou o cargo de Presidente.
O Encontro da SBTP foi realizado em Araruama, em julho de 1980; durante três (3) dias, com participantes e representantes do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo, Rio Grande do Sul, Pernambuco e Brasília e a presença de Françoise Desobeau. Nessa ocasião foram estipulados os estatutos, tendo como referência a SITP, determinadas as normas de admissão de sócios, os critérios de titulação e elaboração de um anteprojeto do Currículo Básico do Curso de Aperfeiçoamento, uma das metas prioritárias da Sociedade.

Em maio de 1982 a Sociedade efetivou os primeiros sócios titulares, com a inclusão de currículo e monografia, apresentada a uma banca formada pelo Conselho.
O I Congresso Brasileiro de Psicomotricidade foi realizado na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, em julho de 1982, âmbito nacional, com o tema “O Corpo em Movimento.” O empreendimento era bastante audacioso para uma Sociedade recém-nascida, mas contamos com a colaboração ativa de todos os sócios e obtivemos um grande êxito, com a participação de 700 congressistas ocupando todas as vagas disponíveis. Atingimos o nosso objetivo: divulgar e fundamentar cientificamente a Psicomotricidade. Fomos honrados com a participação de Françoise Desobeau, nossa homenageada, Armando Cavanhas, epistemólogo que definiu a Psicomotricidade como uma ciência, e André Lapierre que apresentou magnífica conferência.

Sob os auspícios da Sociedade é iniciada a formação em Psicomotricidade Relacional, relevando a primazia da relação com o outro, seus conteúdos projetivos, simbólicos e fantasmáticos. São introduzidos conceitos psicanalíticos e sua teoria e prática é divulgada entre nós, que já possuíamos algum conhecimento através dos livros publicados por André Lapierre em co-autoria com Bernard Aucouturier.

Foram realizados 10 Congressos organizados sempre pelo Conselho do Capítulo Nacional, que ocupou lugar de destaque em sedes de outros capítulos: Belo Horizonte, Porto Alegre, Rio de Janeiro, Salvador, Fortaleza e Recife. Durante estes ano recebemos renomados convidados do exterior, que apresentaram conferências, palestras, cursos e vivências, enriquecendo os eventos e a nossa Psicomotricidade com suas contribuições e ensinamentos, reforçando a especificidade desse campo profissional e científico. Contamos com a presença, dentre outros, de Vitor da Fonseca, Ângela Biagglui, Vitor Garcia, Iann Beltz, Sami-Ali, Juan Garralda, Jean Bergès, Esteban Levin, Juan Mila, Bernard Aucouturier, Franco Boscaini, e Núria Franc.

Nas últimas décadas, portanto, passamos por inúmeras mudanças, gerando transformações significativas, que ampliaram os horizontes da prática psicomotora. A formação do psicomotricista tem sido objeto de discussão e reflexão desde o início da Sociedade, e tem sido destacada a sua expansão em vários estados do Brasil, em nível acadêmico e/ou instauradas em instituições e clínicas multidisciplinares. Existe, entretanto um consenso, independente da diversificação de métodos ou correntes: a formação do psicomotricista se apóia no entrelaçamento da teoria e técnicas, da práxis, da formação pessoal e da supervisão. É uma construção contínua, cada vez mais distanciada da visão puramente mecanicista que norteou os nossos primeiros passos.

Os cursos de Especialização e as Formações se expandiram em vários Estados e.a Psicomotricidade se insere na área acadêmica com o início dos Cursos de Pós-Graduação.
Em 1983 é realizado o primeiro Curso de Pós-Graduação em Psicomotricidade no Instituto Brasileiro de Medicina e de Reabilitação (IBMR/RJ), com convite sendo feito a minha pessoa, Regina Morizot, para assumir a coordenação e assessoria técnica, estabelecendo um currículo elaborado pela SBTP.

Em 1986, foram iniciados Cursos de Pós-Graduação em Psicomotricidade na Faculdade Estácio de Sá, coordenado por Eni Léa, e um Curso de Educação e Reeducação como Especialização em Terapia Psicomotora na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), coordenado por Marta Lovisaro. Era grande a demanda, e nesta mesma década teve início um Curso de Formação na Clínica de Reeducação de Ipanema – GACT – Grupo de Apreensão e Conscientização Terapêutica, coordenado por Beatriz Sabóia, além de um Curso de Especialização em Terapia Psicomotora, no C.E.R.M – Centro de Estudos-Regina Morizot., sob minha coordenação.

Atualmente, são ministrados vários cursos de Pós-Graduação em Faculdades e Universidades do Rio de Janeiro: IBMR, UNISAÚDE, UERJ, Universidade Estácio de Sá, Faculdade Cândido Mendes e Universidade Castelo Branco. Em São Paulo, são ministradas na F.M.U e na Faculdade São Marcos. Em Curitiba continuam a se desenvolver na F.A.E., na FACINTER e na FAP, em convênio com o Centro Internacional de Análise Relacional (CIAR). Em Recife é realizada na FAFIR .Em Fortaleza – na Universidade de Fortaleza / UNIFOR coordenado por Claudia Jardim, na Universidade Estadual de Fortaleza/UECI, coordenado por Dayse Campos de Souza e outro na Universidade Federal do Ceará. Em Belo Horizonte, foi criada a Pós na FUMEC, coordenada por Sonia Onofri.

Em 1990 foi autorizada e reconhecida pelo MEC a primeira Graduação em Psicomotricidade, com a duração de quatro (4) anos, no Instituto Brasileiro de Medicina de Reabilitação (IBMR-RJ).
As formações pioneiras, Ramain e Psicomotricidade Relacional, deram continuidade a seus percursos, cada vez mais consolidadas e aperfeiçoadas. Desobeau participou, ainda, ativamente entre nós por vários anos, abrilhantando os nossos Congressos, proferindo palestras e ministrando seminários.

A Coordenação da formação Ramain foi delegada à Solange Thiers e Maria Ângela Kallás em 1972. Em 1979 foi criado o Centro de Estudos Simone Ramain (CESIR) que em 1983 mudou sua razão social para CESIR – Núcleo Ramain Thiers .Solange desenvolveu uma teoria, fruto de muita experiência, estudos e pesquisas, e apresentou ao mundo científico a SocioPsicomotricidade Ramain –Thiers (1991), com ampla penetração em grande parte do território brasileiro, incluindo congressos e publicação de livros. A formação passou a ser realizada em Belo Horizonte, Recife, Salvador, Aracajú, Natal, Belém, Vitória, Governador Valadares, Goiânia, Campo Grande-MS, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba, Umuarama, Cascavel, Chapecó, Florianópolis, Brasília , Foz do Iguaçu e Londrina.

André Lapierre continuou vindo sistematicamente ao Brasil, acompanhado algumas vezes por sua filha, Anne Lapierre, que atuava em co-terapia nos grupos vivenciais. No decorrer do tempo, são designados vários representantes em alguns Estados, que deram continuidade ao seu trabalho por muitos anos e muitos deles ampliando o quadro de formações em Psicomotricidade Relacional no país, como Margarida Pinto no RS, Daniel Silva no PR e Suzana Cabral em MG. A Psicomotricidade Relacional continua ativa em grande parte do Brasil. Em Curitiba foi fundado o CIAR, sob a direção de Leopoldo Vieira, coordenando cursos e formações permanentes em Psicomotricidade Relacional e Análise Corporal da Relação, e que por desejo de Lapierre, é nomeado seu representante oficial no Brasil.

Da França, recebemos mais um ilustre formador: o prof. Bernard Aucouturier, com uma prática específica nas áreas preventiva e terapêutica, co-autor de vários livros, e que nos brindou com a formação da Prática Psicomotora Aucouturier (PPA), iniciada há mais de uma década, e coordenada , nacionalmente, por Silvia Carné, no Espaço Néctar a partir de 1996. Bernard continua vindo anualmente ao Brasil.

Nos últimos anos, continuamos a contar com a presença de mais dois ícones da Psicomotricidade, que nos brindam com seus valiosos ensinamentos - Vitor da Fonseca (Portugal) e Esteban Levin (Argentina).

A experiência, os estudos e pesquisas científicas de nossos profissionais, incentivaram a elaboração de seus próprios cursos e formações, com sólida sedimentação teórica nas áreas da educação e clínica, com uma visão transdisciplinar, interagindo com outros campos do saber, como a Filosofia, a Antropologia, a Sociologia, a Neurologia, a Psiquiatria, a Psicanálise, a Psicologia e as Neurociências.

Novas formações foram sendo desenvolvidas, com novos modelos e paradigmas, identificados com a necessidade de buscar novos caminhos nessa perspectiva biopsicossocial e de acordo com a realidade brasileira.

Destaco as formações que são reconhecidas pela Associação Brasileira de Psicomotricidade, a saber:

  • Grupo de Apreensão e Conscientização Corporal (G.A.C.T.), formação pioneira, criada por Beatriz Sabóia, na Clínica de Ipanema (RJ);
  • SociopsicomotricidadeRamain-Thiers - coordenação de Solange thiers. Abrangência do trabalho no Brasil. Sua sede reside no Rio de Janeiro;
  • Psicomotricidade Relacional. CIAR Centro Internacional de Análise Relacional; direção de José Leopoldo Vieira, Maria Isabel Bellaguarda e Ibrahim Danyalgil. Curitiba, Fortaleza, Recife;
  • Psicomotricidade Sistêmica, coordenada por Rosa Maria Prista, sendo iniciada por meio de grupos de estudos a partir de 1982 e oficializada em 1983; desenvolve suas atividades no Centro de Estudos da Criança (CEC-RJ);
  • Psicomotricidade Aquática, desenvolvida e coordenada por Jocian Machado Bueno, em Curitiba e Fortaleza, a partir de 1998;
  • Psicomotricidade Relacional Psicossomática, do grupo Anthropos (R.J), coordenada por Daniel Benchimol, Vitória Bonaldi, Pedro Honório e Marina Sá;
  • Prática Psicomotora Aucouturier coordenada por Silvia Carné, no Espaço Néctar (RJ);
  • Terapias Psicomotoras na Água, coordenada por Cacilda Gonçalves Velasco, no espaço Vem Ser, em São Paulo (SP);
  • TransPsicomotricidade, desenvolvida por Marta Lovisaro e Carlos Eduardo Costa, sediada na UERJ(R.J.), tendo seu início no ano 2000. A coordenação atual desta formação encontra-se sobre a coordenação de Eduardo Costa;
  • Psicomotricidade: Multiplicidades do Cuidar. Agathon, formação coordenada por Etelvina França e Vânia Belli , iniciada em 2004, tendo como sede a Clínica Agathon, no Rio de Janeiro;
  • Psicomotricidade Heurística, coordenada por MarthaLovisaro, Lecy Consuelo Neves e Claudia Lovisaro , no Rio de Janeiro;
  • Curumin, formação desenvolvida e coordenada por Ricardo Alves e Sabrina Toledo, no ano de 2017, no Rio de Janeiro;
  • Aión, formação criada e coordenada por Marcelo Antunes, no Rio de Janeiro, 2018.

O momento atual da psicomotricidade brasileira é extremamente promissor, com grande penetração da teoria e da prática psicomotora, em berçários, creches, escolas de Educação Infantil e de Ensino Fundamental, escolas especiais, instituições e clínicas multidisciplinares, clínicas geriátricas, hospitais e empresas além de vários projetos sociais, desenvolvidos em hospitais, ambulatórios e com comunidades em diversas áreas do Brasil. Segundo os estatutos da Sociedade Brasileira de Psicomotricidade, a clientela atendida inclui bebês de alto risco, crianças, adolescentes, adultos e idosos e as indicações mencionam a normalidade, os desvios e as patologias.

A produção científica de nossos profissionais nos enobrece com um acervo aproximado de dezenas de livros já publicados e dez(10) Anais dos Congressos Brasileiros. A Revista Mosaico, criada pela S.B.P., voltou a ser reativada, e Rosa Maria Prista, autora de vários livros, assumiu a coordenação de dois importantes registros das formações brasileiras. O reconhecimento da nossa prática tem ultrapassado fronteiras e foi comprovado no I Congresso Mundial de Psicomotricidade, em 2008, no Uruguai, com a participação de muitos convidados de vários estados do Brasil, apresentando conferências e palestras, ministrando cursos, participando de mesas de debate, conduzindo vivências, e no qual recebi a grande honra de proferir a conferência de abertura como legítima e representativa referência da psicomotricidade brasileira.

Neste ano de 2018, tivemos uma grande vitória por nossa luta histórica em prol da psicomotricidade brasileira. O plenário da Câmara dos Deputados aprovou no dia 13 de junho o projeto de Lei 795/03 que regulariza a profissão do psicomotricista, e que será enviado ao Senado para votação, coroando uma história de dedicação profissional no campo da saúde, da educação e da sociedade. Garantindo o exercício da profissão a todos que se dedicam a ela há muitos anos e, principalmente, democratizar o atendimento aos milhões de brasileiros que necessitam deste atendimento em saúde e propulsor do desenvolvimento humano na educação.

A SBP, agora denominada Associação Brasileira de Psicomotricidade (ABP), continua extremamente ativa, e mantém um grande número de associados e sócios titulares participando ativamente do desenvolvimento profissional e científico da psicomotricidade. Mesmo não sendo um órgão oficial de regulação sobre a atuação profissional, inscreveu, desde seu início, critérios rigorosos para a titulação de seus membros, permitindo, assim, realizar eventos científicos, formações e estabelecendo os critérios ético-profissionais dos que dela são aceitos como associados.
É provável que este relato da nossa história apresente lacunas, omissões, e talvez algumas imprecisões, pela ausência de dados, que provavelmente serão resgatados com a contribuição dos nossos colegas no próximo Congresso Nacional e Internacional de Psicomotricidade, que será realizado no segundo semestre de 2019, no Rio de Janeiro.

Hoje, podemos comprovar que já temos uma história de “Psicomotricidade com psicomotricistas” e com perspectivas de uma evolução cada vez maior. E essa identidade brasileira já nos permite referirmos a ela como “ a nossa psicomotricidade “.

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NOTA:

Artigo revisado e atualizado do original publicado em PRISTA, Rosa Maria (Org), As Formações Brasileiras em Psicomotricidade, Revista Mosaico (Edição Histórica). São Paulo: All Print Editora, 2010

6 Respostas

  1. Adorei |Regina! Sempre magistral.
  2. E gratificante e enriquecedor termos como base tantos nomes ilustres que nos forneçam informações deste histórico. E desta luta para o crescimento de profissionais .
  3. Sinto-me, honrada em conhecer um pouco desta trajetória linda , através dos conteúdos postados de forma sutil

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