Psicomotricidade Relacional Na Escola Pública: Inclusão, Alfabetização E Saúde Emocional

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSICOMOTRICIDADE I CONGRESSO INTERNACIONAL DE PSICOMOTRICIDADE XIV CONGRESSO BRASILEIRO DE PSICOMOTRICIDADE

PSICOMOTRICIDADE RELACIONAL NA ESCOLA PÚBLICA: INCLUSÃO, ALFABETIZAÇÃO E SAÚDE EMOCIONAL.

AUTORES:


Ofelia de Freitas Pessoa[1] - SME FORTALEZA
Maria Isabel Bellaguarda Batista[2] - CIAR
Maria Valdirene Lima da Silva [3] - SME FORTALEZA
Priscila Barros de Freitas [4]- SME FORTALEZA

Resumo

Este trabalho intitulado, Psicomotricidade Relacional na Escola Pública: Inclusão, alfabetização e saúde emocional, visa discorrer sobre reflexões decorrentes de dados contidos em registros de sessões de Psicomotricidade Relacional realizadas na Escola Municipal Frei Agostinho Fernandes, localizada na cidade de Fortaleza. Configura-se como uma pesquisa aplicada de intervenção e observação com caráter qualitativo.

A fundamentação teórica ancora-se na abordagem da Psicomotricidade Relacional, a partir das contribuições de André Lapierre, Anne Lapierre, Leopoldo Vieira e Isabel Bellaguarda. Fundamenta-se também em proposições de Maria Tereza Mantoan no que se refere à inclusão, na psicogênese da leitura e da escrita, com base nos estudos de Emília Ferreiro e Ana Teberosky e nas reflexões de Richards D. Roberts sobre saúde emocional.

Os procedimentos metodológicos consistiram na observação e apreciação de filmagens de sessão, registros realizados pelas crianças, ficha de acompanhamento individual e relatórios de grupo feitos pelo psicomotricista relacional, contemplando comportamentos observados nos aspectos motor, socioemocional e cognitivo. Foram atendidas 180 crianças, com idade entre 6 a 8 anos, alunos de 1º e 2º anos do Ensino Fundamental, em sessões semanais de Psicomotricidade Relacional, com 1 hora de duração, durante o período letivo de 2017 a 2018.

Cada sessão foi desenvolvida com aproximadamente 13 crianças por grupo. Ao final do estudo concluiu-se que a abordagem em foco incluída no cotidiano da escola ampliou possibilidades de inclusão, estimulou habilidades socioemocionais, e por consequência, favoreceu a aprendizagem da leitura e da escrita das crianças.

Palavras-chave: Psicomotricidade Relacional; Inclusão; Saúde emocional; Alfabetização.

Introdução

O presente artigo aporta um recorte do trabalho de Psicomotricidade Relacional realizado em Escolas Públicas de Fortaleza que vem sendo implantado na rede municipal desde o ano de 2011. É produto de uma iniciativa pioneira, que consistiu na oferta de um curso de formação em nível de Pós-graduação de 200 professores da rede municipal de Fortaleza, sob a coordenação do CIAR - Centro Internacional de Análise Relacional.

Nesse curso, os docentes em formação realizaram, nas escolas municipais, a prática profissional supervisionada, no período de 2011 a 2013. Vale ressaltar que o estágio nas escolas, apesar de não ter ocorrido em condições ideais, promoveu mudanças positivas no comportamento e na aprendizagem das crianças que participaram das sessões de Psicomotricidade Relacional.

Com base nos resultados obtidos, a Secretaria Municipal de Educação de Fortaleza - SME manifestou o interesse de desenvolver uma pesquisa em sua rede de ensino, com o objetivo de avaliar os impactos desta intervenção sobre o desenvolvimento de competências socioemocionais e sua relação com a alfabetização das crianças, cujos professores participam do Programa Nacional de Alfabetização na Idade Certa (PNAIC).

Tal pesquisa, denominada “Alfabetização de crianças na idade certa: contribuições da Psicomotricidade Relacional por meio da promoção da saúde socioemocional de alunos e professores das escolas públicas do município de Fortaleza”, foi publicada em relatório no ano de 2015 embasou o processo de implantação dessa abordagem na rede de ensino deste Município.
Foi a pesquisa mencionada, realizada em 2014, que nos instigou a continuar investigando os ganhos no desenvolvimento integral das crianças atendidas atualmente.

O presente texto aponta reflexões sobre inclusão, comportamentos socioemocionais e aprendizagem da leitura e da escrita, tendo como referência dados obtidos a partir da coleta de informações e da apreciação e observação das filmagens, dos registros realizados pelas crianças, fichas de acompanhamento individual e de grupo feitos pelo psicomotricista relacional. Contempla comportamentos observados nos aspectos motor, socioemocional e cognitivo, de alunos matriculados no 1º e 2º anos do Ensino Fundamental de uma escola do município de Fortaleza.

Referencial Teórico

A fundamentação teórica do estudo ancora-se na abordagem da Psicomotricidade Relacional, especialmente nas contribuições de André Lapierre, Anne Lapierre, Leopoldo Vieira e Isabel Bellaguarda.

Também aborda proposições de Maria Tereza Mantoan no que se refere à inclusão, apoia-se na psicogênese da leitura e da escrita, com base nos estudos de Emília Ferreiro e Ana Teberosky e nas reflexões de Richard D. Roberts sobre saúde emocional, para discutir as habilidades socioemocionais.

Baseia-se também nos pressupostos da educação inclusiva, que rompe com o modelo de escola excludente, elitista, meritocrática e homogeneizante. O presente texto focaliza quatro eixos principais: Psicomotricidade Relacional; Habilidades Socioemocionais, Inclusão e Aprendizagem da Leitura e da Escrita.

Psicomotricidade Relacional na escola: proposta, características da intervenção, objetivos e benefícios

A Psicomotricidade Relacional ressalta a comunicação não verbal, destacando que são, sobretudo, as tensões tônicas involuntárias, e não somente a palavra verbalizada, que revelam desejos inconscientes. Este método favorece a expressão espontânea de conteúdos conscientes e inconscientes por meio da via corporal, evidenciados no jogo espontâneo (BATISTA, 2017).

A abordagem da Psicomotricidade Relacional traz como um dos seus principais diferenciais a participação ativa da criança na atividade proposta em grupo. O psicomotricista relacional se implica corporalmente e participa como parceiro simbólico no jogo espontâneo. Nesse papel, o profissional se coloca disponível para entrar como parceiro simbólico na brincadeira corporal, assumindo papéis projetados nele pelas crianças, tais como: bruxa, jacaré, super-herói entre outros.

Essa vivência simbólica favorece a elaboração dos medos e fantasias inconscientes das crianças. Nessa atuação direta, o psicomotricista relacional intervém, contribuindo para o melhor desenvolvimento do aluno nos aspectos psicomotor, psicoafetivo, psicossocial e cognitivo favorecendo sua inclusão escolar (BATISTA, VIEIRA E MORAES, et al; 2015).

Vieira Batista e Lapierre (2013) referem que a Psicomotricidade Relacional na escola se constitui por uma metodologia vivenciada que inclui um conceito amplo de educação para a diversidade e para a construção de valores. Sua finalidade é preventiva, dentro de uma perspectiva que visa potencializar o equilíbrio emocional, a socialização e o desenvolvimento cognitivo, apresenta-se livre de objetivos pedagógicos diretos, no entanto se mostra essencial à consolidação e à descoberta de novas aprendizagens.

As sessões de Psicomotricidade Relacional são realizadas em um espaço físico designado como setting, que, por excelência, deve constituir-se em um espaço simbólico permissivo, continente e desculpabilizante, no qual se valoriza a importância da organização, do espaço e do tempo. “Esses fatores possibilitam a realização de atividades propostas, garantindo a segurança e a confiabilidade na situação do jogo espontâneo” (VIEIRA; BATISTA; LAPIERRE, 2005, p. 97).

O método apresenta como características fundantes o jogo espontâneo, a comunicação tônica e a decodificação simbólica dos atos vivenciados. Nesse sentido, Batista e Vieira (2013) defendem que, na medida em que se colocam os dizeres corporais no centro da atenção, escutam-se as demandas relacionais da criança e valorizam-se, por meio do brincar espontâneo e da comunicação não verbal, o desenvolvimento de suas competências sociais e emocionais.

Deste modo, a abordagem Psicomotora Relacional, no cotidiano escolar, pretende contribuir para o processo de educação, em especial de alfabetização, uma vez que diversifica estratégias relacionais que provocam o desenvolvimento integral da pessoa; neste espaço criação e criatividade serão postos à mesa e o brincar acontecerá cheio de imprevistos e de novas versões, acolhendo a demanda da maioria, em vivências permeadas pela descoberta, segurança e prazer de viver; prioriza várias formas de aprendizagem; desperta o desejo para a aquisição de novos conhecimentos.

Destaca-se que em psicomotricidade relacional considera-se que a exclusão não se manifesta apenas pela presença de deficiência. Rocha (2002) verificou que crianças expostas à violência familiar que manifestavam dificuldades de adaptação e de aprendizagem na escola, eram aquelas que viviam um processo velado de exclusão escolar.

Em resumo, argumenta-se que esta intervenção na escola, por meio do dinamismo vivido no jogo espontâneo favorece o ajuste positivo da agressividade, da afetividade, dos limites, contribui para regular emoções que propiciam melhores estratégias de socialização, favorece a criatividade, uma melhor adaptação às atividades escolares e consequentemente melhores resultados no processo de aprendizagem.

Habilidades socioemocionais em face dos desafios da sociedade e da escola

Nas últimas décadas, a escola tem passado por mudanças significativas no que diz respeito à sua identidade e ao papel que deve desempenhar ante uma nova lógica social. Em função das mudanças da instituição familiar e do crescimento das exigências do mundo moderno, cobra-se da escola a capacidade de lidar com múltiplas demandas de sua clientela e se delega a ela a responsabilidade de preparar, praticamente sozinha, a criança e o jovem para a sua inserção nessa sociedade em constante movimento.

Trata-se de milhões de pessoas – crianças, jovens e adultos – em milhares de escolas e salas de aula, criando modos de ser e de entender o seu mundo e o mundo em geral de modos diversificados. Tudo isso tem exigido das pessoas o desenvolvimento de competências socioemocionais. Nesse cenário, rompe-se com determinismos e grandes modelos explicativos e buscam-se novas formas de compreensão do real, em que o diferente e o divergente se instalam.

Por mais que se tente homogeneizar as escolas e a vida escolar, a elas são levados hábitos sociais diferenciados, múltiplas etnias, culturas específicas, representações parceladas, situações sociais díspares, pronúncias diferentes, linguajares grupais, valores heterogêneos, sujeitos diferentes etc. (GATTI, 1995). “Temos dificuldades de incluir todos na escola porque a multiplicidade incontrolável e infinita de suas diferenças inviabiliza o cálculo, a definição de sujeitos, e não se enquadra na cultura da igualdade das escolas” (MANTOAN, 2008, p. 32).

Ainda sobre essa temática, Rodrigues (2000, p.10) nos diz o seguinte:

A Educação Inclusiva é comumente apresentada como uma evolução da escola integrativa. Na verdade, ela não é uma evolução, mas uma ruptura, um corte, com os valores da educação tradicional. A Educação Inclusiva assume-se como respeitadora das culturas, das capacidades e das possibilidades de evolução de todos os alunos.

A educação inclusiva aposta na escola como comunidade educativa, defende um ambiente de aprendizagem diferenciado e de qualidade para todos os alunos. É uma escola que reconhece as diferenças, trabalha com elas para o desenvolvimento e dá-lhe um sentido, uma dignidade e uma funcionalidade.

Diante disso, a escola está sendo exigida a dar sentido ao que propõe e produz. Nesta perspectiva, faz-se fundamental levar em consideração que aprender consiste em saber expressar, dos mais variados modos, o que se sabe. Implica representar o mundo a partir das origens, valores e sentimentos dos indivíduos. A mudança de paradigma no espaço escolar não é uma opção, mas uma consequência linear a uma nova lógica relacional.(Batista, Vieira e Moraes, at al, 2015).

Neste contexto “A diferença é difícil de ser recusada, de ser negada, desvalorizada” (MANTOAN, 2008, p. 32).
Em consonância com esta prerrogativa, os pressupostos da Psicomotricidade Relacional (respeito à singularidade, aos limites, autenticidade, afetividade, autonomia, e criatividade) tendem a romper com a padronização de pessoas e apregoa o acolhimento a todo e qualquer aluno respeitando suas particularidades e necessidades individuais.

Para tanto, ressalta a necessidade da escola de investir no desenvolvimento de habilidades socioemocionais de docentes e discentes, como uma condição essencial a respostas às demandas de uma sociedade em constantes mudanças. Estas habilidades socioemocionais constituem-se como um conjunto de competências tais como; motivação, perseverança, capacidade de trabalhar em equipe e resiliência diante de situações difíceis que podem ser estimuladas e aprendidas na escola.

Corroborando com este pensamento, o psicólogo e educador australiano, Richard D. Roberts (2015), nos diz o seguinte “o ensino das emoções nas escolas pode proporcionar ganhos econômicos e menos gastos públicos”.

Frisa-se sobretudo, o posicionamento de Roberts (2015), conforme suas próprias palavras:

A probabilidade de um estudante que recebeu esse tipo de treinamento ir para a cadeia cai drasticamente. O desempenho escolar como um todo melhora objetivamente. As taxas de evasão caem também. Quando se impede que um número maior de jovens desista da escola e deixe de entrar no mundo do crime, só para ficar em dois exemplos, criamos cidadãos saudáveis, produtivos e criativos.

Financeiramente, não só os gastos com saúde pública e serviços sociais caem, como os ganhos econômicos aumentam. Há mecanismos sofisticados que já mediram esse tipo de retorno.
Segundo Santos & Primi (2014), os traços de personalidade dos seres humanos se agrupam em torno de cinco grandes domínios (abertura a experiências, consciência, extroversão, cooperatividade e estabilidade emocional).

Nesta perspectiva, Perrenoud, (2002, p. 32) define competência como a faculdade de mobilizar um conjunto de recursos cognitivos (saberes, capacidades, informações etc.) para solucionar com pertinência e eficácia uma série de situações. Logo, considera-se mais uma vez importante enfatizar que o ponto de partida na caracterização do sujeito da sociedade do conhecimento, centra-se na pessoa criativa, crítica, pensante, capaz de fornecer a informação certa, no momento certo e para o fim a que se destina.

Com base nessas premissas, apresenta-se a perspectiva da abordagem psicomotora relacional incluída na proposta pedagógica da escola como uma importante estratégia face os desafios da sociedade e da escola inclusiva nos tempos atuais.

A escola inclusiva na contemporaneidade

Na educação brasileira existe uma clareza com relação às leis que norteiam o processo educacional. Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais, PCN’s (2001), alguns dos objetivos gerais do ensino fundamental afirmam que é necessário que os alunos sejam capazes de compreender a cidadania, perceber-se integrante do ambiente e desenvolver o conhecimento ajustado de si.

Entretanto, o desenvolvimento de uma abordagem inclusiva robusta para a educação brasileira somente foi formalizado em 2008 por meio da Política Nacional de Educação Especial na perspectiva inclusiva. Esta política buscou abranger orientações pedagógicas, formação de professores, disseminação de tecnologias de apoio e investimentos de acessibilidade, permitindo e fornecendo incentivos para que as escolas públicas efetivamente atendam os estudantes com deficiência. É certo que a partir daí muitos estudantes com deficiência são cada vez mais incluídos em escolas regulares.
Porém, neste estudo, pretende-se abordar escola inclusiva a partir de uma perspectiva mais ampla, na qual observa-se que muitos desafios persistem. A implementação de um sistema educacional inclusivo que considere e contemple com atenção e cuidados essenciais o acolhimento a diferenças, aquelas que são da ordem do humano, composta por um espectro amplo e diverso, entre elas, por exemplo, as diferenças de gênero, raça, crença, sociais, emocionais, físicas, etc., ainda demandam muita atenção e os desafios são crescentes.

Segundo o Documento elaborado pelo Grupo de Trabalho nomeado pelo MEC, intitulado por Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, Portaria Ministerial nº 555, de 5 de junho de 2007, prorrogada pela Portaria nº 948, de 09 de outubro de 2007, “Os estudos mais recentes no campo da educação especial enfatizam que as definições e uso de classificações devem ser contextualizados, [...].”(p. 09), pois acredita-se que as pessoas são únicas de acordo com o contexto do qual fazem parte.

O texto desse documento prega que é o próprio dinamismo humano que reforça a importância dos ambientes heterogêneos para promover a aprendizagem de todos, a fim de alterar as situações de exclusão.

O reconhecimento e respeito à diversidade humana, às possibilidades de todas as pessoas desenvolverem seu potencial de modo integral, para a abordagem psicomotora relacional na escola, destaca a capacidade de colocar em prática a inclusão escolar em seu sentido mais pleno, em especial quando defende que é importante o educador trabalhar interessando-se pelo que a criança sabe fazer e não pelo que ela não sabe.

Deste modo, por meio da valorização de atos e atitudes cotidianos de respeito às diferenças estimula uma mudança de foco revolucionária que fortalece ações que implementam mudanças efetivas no projeto pedagógico da escola. Para tanto, esta abordagem na escola, adota o pressuposto enunciado por Lapierre de que “Há na criança, seja ela quem for, múltiplas potencialidades positivas que só podem ser descobertas e desenvolvidas com a condição de não estarmos ofuscados com o que ela não sabe fazer” (LAPIERRE E AUCOUTURIER, 2004, 19).

Ainda sobre esta perspectiva os autores, lecionam que:

Psicomotricidade Relacional pode-se dizer que a aprendizagem e o desenvolvimento humano se produzem pelas formas de relação afetiva com o outro, de acordo com as possibilidades e limites de cada um, em comum acordo. Promove a expressão de professores e crianças em sua plenitude, recriando uma escola inclusiva em que se abre o espaço para vivência de aspectos afetivos que permeiam a evolução da personalidade e a inserção social (VIEIRA, BATISTA E LAPIERRE, 2005, P. 140).

Para concluir em acordo com Mantoan, acredita-se que:

Uma escola inclusiva nos tempos contemporâneos se diferencia em sua qualidade de ensinar, em sua capacidade de formar pessoas nos padrões requeridos por uma sociedade mais evoluída e humanitária quando consegue aproximar alunos entre si; tratar disciplinas como meio de conhecer melhor o mundo e as pessoas que nos rodeiam; e ter como parceiras as famílias e a comunidade na elaboração e cumprimento do projeto escolar (MANTOAN, 2003 P. 34).
Aprendizagem da leitura e da escrita

No estudo realizado adota-se a visão psicogenética, que fundamenta a leitura aliada à compreensão do sentido do texto, entendendo-o na sua relação dialética com os diferentes contextos e ainda com a possibilidade de dialogar com o autor ausente, de ler as palavras e de ler o mundo.

Corrobora-se a compreensão de que a escrita é um sistema de representação da linguagem construído ao longo de uma história social. Durante o processo de apropriação, tanto a representação simbólica como a linguagem é afetada pela escrita, trata-se, portanto, de uma aprendizagem conceitual.

Ao longo dessa construção, as crianças elaboram hipóteses e refletem sobre o funcionamento da língua escrita. A estruturação das hipóteses se fortalece na interação com o material escrito e com os leitores e escritores, que medeiam, compartilham e atribuem significado ao escrito. Destarte, o papel do professor como mediador do conhecimento se torna fundamental ao longo desse processo de aquisição.

De acordo com a abordagem psicogenética, a criança, no período de desenvolvimento de aquisição da língua escrita, percorre diferentes níveis e desenvolve distintas concepções acerca do sistema de escrita. Nessa trajetória, a criança atravessa diversas etapas e elabora hipóteses sobre a escrita.

Ferreiro e Teberosky (1986) referências no estudo da psicogênese da língua escrita organizaram essas etapas em três grandes períodos. Nos dois primeiros períodos, a criança não estabelece a relação entre a pauta sonora e a pauta escrita, nível psicogenético denominado de pré-silábico. No terceiro período, a criança começa a compreender o processo de sonorização, que corresponde aos níveis silábico, silábico-alfabético e alfabético.

Procedimentos metodológicos

Trata-se de uma pesquisa aplicada, de intervenção e observação, com caráter qualitativo que procurou compreender e fundamentar os dados colhidos a partir de um estudo de caso. Segundo Prodanov e Freitas (2013, p. 60), este estudo, quanto ao procedimento científico, é denominado estudo de caso, pois o mesmo “[...] consiste em coletar e analisar informações sobre determinado indivíduo, uma família, um grupo ou uma comunidade, a fim de estudar aspectos variados de sua vida, de acordo com o assunto da pesquisa”.

E ainda sobre a temática nos apoiamos mais uma vez em Prodanov e Freitas (2013, p.70), os quais dizem que uma pesquisa subjetiva que “não requer métodos e técnicas estatísticas”, posto seu critério não ser numérico.
O processo investigativo aconteceu na EM Frei Agostinho Fernandes durante os anos de 2017 e 2018, na qual foram atendidas 180 crianças com idade entre 06 e 08 anos, alunos de 1º e 2º anos do ensino fundamental. Foram realizadas 16 sessões semanais de Psicomotricidade Relacional, com a participação de aproximadamente 13 crianças em cada grupo, com 1 hora de duração. A seguir, descreve-se como estas sessões aconteceram e quais recursos foram utilizados.

Desenvolvimento das sessões de Psicomotricidade Relacional nas escolas: ações/sessões e recursos

As sessões foram conduzidas por uma profissional especialista em Psicomotricidade Relacional, professora da rede pública municipal de ensino.
Para realização de cada encontro foram utilizados objetos clássicos da Psicomotricidade Relacional tais como bolas, bambolês, bastões, cordas, tecidos, caixas e jornais, além do tapete, paraquedas, aparelho de som e filmadora para registro das vivências realizadas.

A cada vivência foi proposto um conteúdo a ser explorado pelas crianças em parceria simbólica com a profissional, o qual buscou-se estimular o desenvolvimento socioemocional e cognitivo dos alunos atendidos.

Neste processo, ressalta-se a importância de alguns parâmetros específicos a esta abordagem como, por exemplo, o uso do material clássico da Psicomotricidade Relacional, que além de mediadores das relações, indicam as demandas individuais e grupais.

Cada material utilizado nesse tipo de intervenção possui características físicas, pedagógicas e simbólicas da ordem do universo de realidade consciente e do imaginário inconsciente de cada participante. Além disso, em cada sessão, o psicomotricista se organiza de acordo com as etapas necessárias à vivência tais como: Ritual de entrada, verbalização inicial no tapete, tempo para brincar de forma livre, tempo de relaxamento, tempo para organização dos materiais, verbalização final no tapete e saída da sala.

Coube ao profissional intervir, buscando fazer a leitura e decodificação do conteúdo manifesto nas relações estabelecidas entre criança e criança, criança e adulto, criança e espaço, criança e material, entre outros indicadores de suas demandas mais emergentes. Em sua resposta aos pedidos das crianças, muitas vezes camuflados ou deslocados, buscou o ajuste tônico, privilegiando a comunicação não verbal por meio de um brincar espontâneo, levando em consideração o conteúdo pedagógico e simbólico vivido na relação.

Resultados e discussão

Os dados deste estudo foram obtidos por meio de análise de imagens e dos registros do psicomotricista e das crianças realizados após cada sessão de psicomotricidade relacional. As observações da professora também foram levadas em conta, como meio de verificar contribuições da intervenção para a aprendizagem escolar e para o desenvolvimento de competências socioemocionais. A partir disso, buscou-se relacionar as influências dessas competências sobre a adaptação e permanência das crianças na escola e na sala de aula, especialmente daquelas que apresentavam maiores dificuldades na interação com seus pares, e também com o desempenho escolar.

A pesquisa permitiu identificar evolução expressiva de comportamentos socioemocionais das crianças, tais como empatia, perseverança, confiança em si e no outro, aceitação dos limites, cooperação, foco entre outras.

Associado a esta evolução observou-se um progressivo interesse em partilhar a aprendizagem com os colegas, uma curiosidade crescente, desejo em participar ativamente de projetos pedagógicos tanto em sala de aula como no ambiente escolar, por fim um importante crescimento do ponto de vista da aprendizagem de leitura e de escrita.

A relação efetuada entre a evolução observada nos comportamentos socioemocionais com o desempenho escolar indica que as crianças que mais evoluíram do ponto de vista do desenvolvimento de comportamentos socioemocionais foram também aquelas que mais evoluíram na aprendizagem da leitura e da escrita.

Em Psicomotricidade Relacional, considera-se que na escola atual não mais se trata somente de almejar conhecimentos intelectuais abstratos, porém de dar conta das inúmeras possibilidades relacionais, ajudar a construir o conhecimento de si e, por consequência, das realidades circundantes.

Trata-se de contribuir para a formação da personalidade do sujeito, para o desenvolvimento de suas possibilidades de SER, permitindo-lhe conquistar sua identidade e seu equilíbrio afetivo (VIEIRA; BATISTA; LAPIERRE, 2005).

Desse modo, destaca-se a importância da vivência psicomotora relacional no dia a dia da vida escolar como uma estratégia pedagógica capaz de propiciar um espaço de cuidado com a saúde emocional, de efetivar a inclusão em seu sentido mais amplo no ambiente escolar e por consequência, alavancar o desejo da criança para aprender.

Considerações Finais

Os resultados observados neste estudo expressam a viabilidade do desenvolvimento da proposta de sessões sistemáticas de Psicomotricidade Relacional incluídas no cotidiano escolar como atividade complementar ao trabalho pedagógico. Os dados levantados indicam que a abordagem atendeu de modo efetivo às necessidades das crianças tanto em relação ao desenvolvimento de competências sociais e emocionais como em relação à aprendizagem.

Deste modo, defende-se que esta metodologia apresenta-se no ambiente escolar, como uma ferramenta especialmente inovadora, e por que não dizer, revolucionária, por destacar o prazer de brincar, de descobrir, de aprender, de ser, respeitando limites e as diferenças da cada criança e de cada situação vivida, permitindo sua livre expressão, estimulando a confiança em si e no adulto detentor do poder na sala, entre outras possibilidades. Neste estudo ressalta-se seu valor tanto no que se refere ao estímulo positivo de vivências de relações inclusivas, quanto ao desempenho na alfabetização e desenvolvimento de competências sócio-emocionais.

Por fim, destaca-se que estudos complementares se fazem necessários e extremamente oportunos com meio de aprofundar e gerar reflexões e referências capazes produzir melhores resultados na implantação de sessões de Psicomotricidade Relacional na escola, com objetivos específicos de provocar atitudes inclusivas, competências sócio-emocionais e melhorar índices de aprendizagem de leitura e da escrita.

REFERÊNCIAS

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