Ergomotricidade

Ergomotricidade, Uma Aplicação da Psicomotricidade aos Problemas Ocupacionais da Ergonomia

Autores: RIBEIRO. O.P.
ERTHAL. L.
LOVISARO. M

Serviço: ISA-ADRS – Instituto de Soluções Avançadas – Consultorias e capacitação em Mediação de Conflito. Fax: (21) 2558-1900

Objetivos
- Correlacionar psicomotricidade e ergonomia a partir de seus propósitos, campo de ação e interfaces.
- Conceituar o corpo, a ação, o movimento e a relação, enquanto estruturação ‘psicomotora’ do ser e da dimensão do fazer ‘ergonômico’.
- Apresentar situações vividas nas empresas demonstrando a ergomotricidade em sua aplicabilidade, descrevendo o valor do profissional capacitado para agir nas situações de risco (fazer ergonômico) com o equilíbrio e destreza (agir psicomotor).

Material e método

O trabalho estudou o perfil das duas disciplinas a princípio isoladamente e a seguir correlacionando-as num GT(grupo de trabalho) realizado entre 1 engenheiro de Segurança Pleno SMS-Corp, 1 médica - psicomotricista, 1 psicóloga - psicomotricista ; pesquisadores de projetos interdisciplinares.
O local do estudo foi o ISA-ADRS – Instituto de Soluções Avançadas, instituição de pesquisa e capacitação profissional.
Nos encontros o enfoque transdisciplinar, observado tanto na psicomotricidade como na ergonomia, correlacionando suas interfaces possibilitou traçar parâmetros comparativos sobre os métodos e recursos utilizados para observação das pessoas nos espaços sócio-técnicos, principalmente quando este se encontra em local com potencial de risco.
Foram feitas primeiramente reuniões periódicas para descrições das funções das pessoas envolvidas em cada âmbito (visando compreender as correlações e interfaces) para nos encontros a seguir construir um compreender de tais ligações, através de leituras bibliográficas e rodas de discussão.
Nas discussões compreendeu-se que:
Uma atenção mais humanizada aos postos de trabalho requer a formação de uma cultura holística atuante na gestão das equipes, propiciando a prevenção, segurança, integração e inclusão de todos. Pois percebeu-se que a segurança no trabalho depende de uma boa atitude tanto sócio-técnica quanto psicomotora (auto-expressiva). Diversos autores já propõem a criação da Ergomotricidade, uma aplicação da Psicomotricidade aos problemas ocupacionais, ultrapassando assim o paradigma cartesiano da ergonomia clássica.

A ergomotricidade é uma ciência, mas é também uma prática que atua sobre o movimento com o objetivo de melhorar a postura, por ser ela uma atividade motora que exprime uma certa relação com o mundo exterior, o que se dá através da atividade muscular, das percepções visuais, auditivas e cinestésicas; pelas antecipações, equilibração, regulação dos movimentos e das atividades mentais envolvendo a memória, o ritmo, e enfim, as percepções próprio, extero e interoceptivas.
Sendo assim, a ergomotricidade torna-se capaz de fazer a ponte entre dois pólos aparentemente antagônicos, o corpo do trabalho e o corpo do lazer, pela possibilidade de atuação global sobre o corpo em movimento oportunizada pela prática psicomotora ao dirigir-se e se deixar dirigir por suas bases: esquema corporal, espaço temporalidade, tonicidade, ritmo, coordenação de movimentos, equilíbrio, respiração, desenvolvendo portanto pelo exercício não automatizado, a consciência do gesto.

Resultados detalhados, comentários e correlações sobre as interfaces entre psicomotricidade e ergonomia:

A ergonomia cognitiva trata dos aspectos mentais da atividade de trabalho de pessoas e indivíduos, independente de seus dados diferenciados.
O olhar do profissional da ergonomia não se contenta somente em adaptar o local de trabalho às características humanas dos trabalhadores, em uma ótica puramente física, mas busca entender a importância dos atos de pensamento do trabalhador na execução de suas tarefas. Esta complexidade de suas estruturas nos mostra que os trabalhadores não são apenas simples executantes de atos mecânicos, mas interagem com o meio, recebem os estímulos e atuam conforme as modificações que ocorrem à sua volta.
Neste contexto podem ocorrer os erros humanos que terão sua origem nas falhas decorrentes destes processos de comunicação, de via dupla, entre as estruturas motoras, cognitivas e perceptivas, afinal “O inconsciente se manifesta não só na palavra. mas, sobretudo, no corpo, na postura, no gesto, no tônus e na respiração.” (SABOYA, 1995).

Quanto mais complexo e perigoso for o sistema onde o indivíduo estiver inserido, tanto mais os operadores deverão estar aptos para tomar a boa decisão, atentos aos momentos adequados. Esta aptidão deve estar nas pessoas (enquanto formação e capacidade psicomotora) nos sistemas sob aplicação da tecnologia (fazer ergonômico) e nas interfaces entre uns e outros: ergomotricidade: (LAPAGESSE, 2005.).

AJURIAGUERRA in SABOYA, 1995 define a terapia psicomotora como :

“uma técnica que por intermédio do corpo e do movimento dirige-se ao ser na sua totalidade. Ela não visa a readaptação funcional por setores e, muito menos, a supervalorização do músculo, mas a fluidez do corpo no seu meio. Seu objetivo e permitir ao individuo melhor sentir-se e, através de um maior investimento da corporalidade, situar-se no espaço, no tempo, no mundo dos objetos e chegar a uma modificação e a uma harmonização com o outro”. P. 20.

Em termos cognitivos, o indivíduo transforma as informações de natureza física em informações de natureza simbólica e a partir desta em ações sobre as interfaces. Sua concepção nos é trazida pelo campo das ciências cognitivas, que visa o estudo do conhecimento virtual, ou seja, foca-se no conjunto das condições estruturais e funcionais mínimas que permitem perceber, se representar, recuperar e usar a informação.

Refere SABOYA, 1995 que
“as percepções dependem dos conhecimentos anteriores do homem, da atividade de analise-síntese que realiza, incluindo a criação de uma hipótese; na dependência do caráter objetivo, que evolui com a idade e a capacidade intelectual, que nos possibilita fazer generalizações e nos permitem, através das experiências já tidas com o objetivo percebido, estabelecer ligações” (..). p. 40.

A ergonomia e a psicomotricidade são interdisciplinares, assim como as ciências cognitivas, que têm como foco e objetivo estudar a capacidade mental e os seus processos de transformação. Já a ergomotricidade, segundo BARRETO (1998),
“visa não só compensar vícios posturais através de exercícios compensatórios, mas também atuar sobre todo o ser por meio de programas de alongamento, de respiração, relaxamento (nível neuromuscular), relaxação (nível neuropsíquico) e mudança cognitiva, desenvolvidos no próprio posto de trabalho, isto elimina o problema da faltas de tempo, normalmente acusado pelos trabalhadores, visando-se paralelamente a melhoria da qualidade de vida dos trabalhadores e o aprimoramento da qualidade de produtos e serviços. Estes objetivos devem ser alcançados pela junção entre a Psicomotricidade e a Ergonomia.”

Enquanto os processos de formação e produção de conhecimentos aplicados aos sistemas através de um processo corporal é o foco de estudo da psicomotricidade, a ergonomia se alimenta nos estudos dos aspectos cognitivos, seus caminhos psicomotores e a aplicação através desta inteligência natural, buscando trazer estes conhecimentos para a tecnologia de interfaces homem X máquina.
Assim, a ergonomia busca a confiabilidade humana na condução de processos, prevenindo as conseqüências dos erros humanos no controle de sistemas complexos e perigosos; avançando ao campo de trabalho da otimização de operações com equipamentos, informatizados ou não, prevenindo seu funcionamento inadequado e bloqueios ou falhas humanas que possam levar a acidentes.
Estes dois campos científicos buscam, através dos vários estudos sobre o raciocínio e tomada de decisão, desenvolver melhor capacitação do pessoal técnico, observando desde as coordenações motoras, que afeta diretamente o resultado final, à ampla gama de ação humana. Conhecendo como podem falhar ou como os erros podem ser cometidos, subsidiam a elaboração de procedimentos e normas operacionais.
Muitos estudos já se voltam para a formação profissional, sobretudo nos processos, de qualificação e re-qualificação, tão necessário, neste mundo em sobressalto, pela constante introdução de novas tecnologias. Mas e’ preciso reconhecer que corremos um risco, como afirma IWANOWICZ in BRUHNS, 1989, de perder o contato com aquilo que sensorialmente, através do corpo possamos viver.

“E como a nossa cultura, o nosso trabalho exigem de nós relações através de nossa mente e não através de nosso corpo (...), essa distancia aumenta cada vez mais. A predominância do mental no organismo resulta numa imagem de si mesmo que não corresponde as características reais do corpo”. Incentivados a “ cultivar o intelecto, tratados cientificamente como partes isoladas (especializadas) que nos compõe, política e socialmente proibidos de usar todas as nossas capacidades, começamos a nos dividir em partes “independentes”, esquecendo, completamente do nosso corpo e de nos mesmos”. P.. 67

A ciência, através de uma de suas linhas de pesquisa, conhecida como inteligência artificial, vem buscando busca incessantemente desenvolver mecanismos e dispositivos lógicos capazes de reproduzir a estrutura cognitiva do homem em sistemas aptos a produzir respostas adequadas a situações de alteração em um sistema sob controle, evitando assim o erro humano. Porém, observa-se que somente o homem é capaz de gerar uma resposta capaz de levar em consideração fatores aleatórios, que produzam alterações significativas e não previstas. Portanto a aplicação de conhecimentos transdisciplinares na correlação das interfaces entre a psicomotricidade e a ergonomia mostra que, melhorias significantes nos processos de alto grau de risco podem ser conseguidas através de processos assistidos, onde os trabalhadores têm a possibilidade de um sistema que os auxilie nas tarefas cognitivas e com isso possam tomar decisões mais corretas, principalmente quando há a exigência desta resposta em curto espaço de tempo.
Quanto ao desempenho físico, COSTE, 1978, comenta:

“o projeto motor não ‘e um plano clara e conscientemente elaborado, independentemente das estruturas tonico - motoras; mas, aquém dos limites da consciência, ele deflagra estimulações nervosas que colocam o corpo nas condições requeridas pela ação, em função, por um lado, das aferências sensitivas que nos informam sobre a posição do corpo e a dos objetos, e ,por outro, sobre os esquemas gnosicos: esquema corporal (em estado de perpetua adaptação) e estruturação espaço-temporal”.p.. 37

Parte dos fundamentos da ergonomia e da psicomotricidade são baseados nos conhecimentos sobre as características, habilidades e limitações da pessoa humana envolvida num processo, onde se estabelece a visão de quem realiza de seu meio ambiente como unidades básicas e complementares do sistema. Assim sendo, pela ergonomia realiza-se a abordagem cognitiva, ou seja, das diversas modelagens sobre a natureza e o processo de tomada de decisão individual e coletiva que requer a execução das atividades humanas. Também os fatores psicomotores, segundo COSTE (1978), intervêm,

“quer do exterior, quer de nossa apreensão: dificuldades particulares (físicas: fadiga, exercício de força, ou psicológicas: diante de numerosos espectadores) que elevam ou diminuem o nosso limiar de atenção. Quanto mais o ato for repartido, mais a atenção e’ fraca, mais o projeto motor e’ espontâneo e involuntário – mas o gesto e’ automático. Descer uma escada e’ um movimento inteiramente automático, salvo se as condições variarem objetivamente (escuridão) ou psicologicamente (será que a desci bem?) (...) Os gestos são, por vezes, tanto mais inábeis ou desastrados quanto maior e a atenção que concentramos neles; acontece que o gesto se realiza independentemente do projeto motor e, as vezes, em contradição com ele.”p.. 37

Conclusão:

Em termos práticos, tanto a ergonomia quanto a psicomotricidade, pela natureza de seus métodos e pela estrutura de conhecimento que mobiliza, não busca a aplicação de soluções prontas nem preconiza orientações absolutas, mas sim o desenvolvimento participativo de encaminhamentos possíveis na situação a que é chamado a intervir. Lógica processual.
Ser um especialista com percepção das interfaces é fazer uma ponte entre os diversos campos do saber e do conhecimento. Obtendo resultados através do foco interdisciplinar, sem ser um especialista em fatores humanos e nem tampouco o responsável pela tecnologia ou pela organização da empresa. Desta forma, ao capacitar profissionais das áreas de saúde e educação para a pesquisa e aplicação de técnicas ergo motoras, que visam o movimento corporal no local de trabalho, seus resultados em termos da melhor adaptação do corpo-trabalho e do corpo-descanso sob o enfoque econômico e social, ela irá constituir um conjunto de conhecimentos psicológico, fisiológicos, antropológicos e relacionais que permitem, utilizando o corpo como mediador, abordar o ato motor humano com o intento de favorecer a integração desse sujeito consigo e com o mundo do trabalho..
Atuar na interface é ser capaz de solucionar as diversas vertentes do problema envolvido, de modo direcional, construindo um novo saber, que ultrapassa a simples aplicação de uma solução já conhecida, portanto:
- Reconhecer que a abordagem transdisciplinar ocupa papel principal, tanto no universo da psicomotricidade quanto no olhar ergonômico, e nos faz entender as equipes como personagens que transitam em rede, nas interfaces destas disciplinas,. Cenário que busca inclusão e a totalidade do individuo com o seu equilíbrio bio-psico-social e ambiental.
Considerando a importância de melhor orientar, estimular e valorizar todo profissional e seu espaço sócio-técnico como a realização, a conclusão de todo investimento para um bom desempenho ergo motor.
O trabalho a ser apresentado passa a ter valor, desvelando novas correlações sobre o modus operandis da ergomotricidade.

Bibliografia :

ABERGO – XII Congresso Brasileiro de Ergonomia. Anais 2002.
BARRETO, Sidirley de Jesus. Psicomotricidade, Educação e Reeducação, FURB, Blumenau: Odorizzi, 1998.
BRUHNS, Heloisa et col. Conversando sobre o Corpo. Campinas -S.P. Papirus Editora, 1989. 3ª ed.
COSTE, Jean-Claude. A Psicomotridade. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978. 2ª ed
DEJOURS, Christophe. A loucura do Trabalho: Estudo de Psicopatologia do
Trabalho. São Paulo: Oboré. 1987.
FONSECA, Vitor da. Psicomotricidade. São Paulo:Martins Fontes, 1988. 2ª.ed
LAPAGESSE, Fátima de Drummond. Contribuições da Ergonomia e da Ergomotricidade nas estruturas de produtividade. Motos Corporis, 05(01): 21-41,
LONGIN, Pierre. Neuroinguistica. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2004. 1ª ed.
NOULIN, Monique, Ergonomie: action humanitaire ou politique dedéveloppement? In: CUNHA, Manuel Sérgio Vieira e, Epistemologia da Motricidade Humana , Lisboa: Faculdade de Motricidade humana, 1996.
WEIL, Pierre; D’AMBROSIO, Ubiratan; CREMA, Roberto.Rumo à nova transdisciplinaridade: Sistemas abertos de conhecimento. São Paulo: Summus, 1993. 1ª ed.
SABOYA, Beatriz – Bases psicomotoras: aspectos neuropsicomotores e relacionais no primeiro ano de vida – Rio de Janeiro: Trainel, 1995.

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