Grafomotricidade à Luz de: “Do Ato ao Gesto Gráfico” – Autor: Marília L. S. Betencourt

AUTOR:

Marília L. S. Betencourt
Sócia Titular e Membro do Conselho Consultivo da ABP
Pedagoga, Psicopedagoga e Psicomotricista Aperfeiçoamento em Psicomotricidade na Université de Lyon - FR
Aperfeiçoamento em Psicomotricidade no I.S.P.R. Paris - FR Lecionou na Formação em Terapia Psicomotora (C.E.R.M.)
Lecionou na Educação Infantil Clínica em Psicopedagogia e Terapia Psicomotora
Ministra Oficinas de Grafomotricidade
Autora do livro: “Do Ato ao Gesto Gráfico”

Grafomotricidade à Luz de: "Do Ato ao Gesto Gráfico"

“O gesto gráfico é traço da própria identidade, isto é, traços de sensações, emoções e representações, sejam primárias ou secundárias.” F. BOSCAINI – pg.16 – 1998.
Marília L. S. Betencourt

Após atravessarmos cerca de 10 anos com uma prática pedagógica em grupos de crianças de classe de pré-alfabetização, e, mais de 15 anos abordando o desenvolvimento do grafismo também através da clínica psicopedagógica e psicomotora, em 2007 lançamos “Do Ato ao Gesto Gráfico”, um livro com exercícios grafo-motores de pré-grafismo e pré-escrita, fazendo uma passagem evolutiva, a partir do espaço em branco, entrando no espaço quadriculado e a saída do mesmo, quando a escrita requer o papel pautado.

“Do Ato ao Gesto Gráfico”, com suas sugestões psicomotoras, cinestésicas e gráficas, é uma publicação que traz uma prática que vem colocar em evidência, como produto final, a Grafomotricidade e o seu processo de desenvolvimento. Então vejamos:

- Grafo, do grego gràfo, escrever; conjunto de pontos, sendo que qualquer um deles pode ou não ser ligado por uma linha. – DICIONÁRIO ONLINE DE PORTUGUÊS.

- Motricidade, motrice + (i)dade – Competência ou conjunto das funções nervosas e/ou musculares que possibilitam os movimentos, nos seres humanos. – DICIONÁRIO ONLINE DE PORTUGUÊS.

GRAFOMOTRICIDADE:

Podemos definir Grafomotricidade como um conjunto de funções motoras envolvidas no ato de escrever ou relacionadas com a atividade gráfica escrita ou desenhada. É uma habilidade que, conforme avança maturativamente, o seu controle vai se refinando, à partir do desenvolvimento global, até chegar à motricidade fina.

Desenvolvimento da motricidade fina e suas fases:

As crianças podem realizar movimentos com dois tipos de habilidades: coordenação motora fina e coordenação motora grossa. As habilidades finas são referentes à capacidade de coordenar diferentes movimentos de precisão, com pequenos grupos musculares entre as mãos e os olhos.
Não consideramos, aqui, os movimentos de braços e mãos dos recém-nascidos, já que estes são reflexos do próprio corpo e não movimentos intencionais.
É de suma importância experimentar no meio ambiente os movimentos motores finos, para o desenvolvimento de habilidades finas, o que está intimamente relacionado com o aumento da inteligência.
Tanto as habilidades motoras grossas quanto as finas se desenvolvem em ordem progressiva. As dificuldades relacionadas a habilidades motoras finas, na maioria das vezes, são temporárias e não indicam, necessariamente, uma preocupação maior.

Fases do desenvolvimento da motricidade fina:

Infância (de 0 a 12 meses):
Nesse período o bebê ainda tem pouco controle com todas as partes do corpo e suas mãos estão fechadas a maior parte do tempo. No início suas ações são inconscientes, são os chamados reflexos darwiniano. Se colocarmos um objeto na palma da sua mão, o bebê irá fecha-la, apertando e segurando. Depois de duas semanas, o recém-nascido pode começar a prestar atenção aos objetos que atraem sua atenção, mas ainda não consegue pegá-los.
Após 8 semanas, os bebês começam a descobrir e movimentar as mãos. Primeiro, com a intenção de experimentar o sentido do tato, depois, também fazendo uso do sentido da visão. Nesta fase, o bebê não pode pegar objetos deliberadamente. A coordenação chamada "olho/mão" começa a se desenvolver entre 2 e 4 meses. Nesta fase, o bebê inicia um período de aprendizado no qual ele tenta pegar os objetos que vê.
A partir de 4 ou 5 meses, a maioria dos bebês pode pegar brinquedos e objetos que estão ao alcance apenas por vê-los, sem uma intenção específica. Este é um pré-requisito importante para o desenvolvimento de habilidades motoras finas.
Aos 6 meses de idade são capazes de pegar brinquedos e objetos facilmente e também começam a bater com eles. Também gostam de pegar objetos pequenos e levá-los à boca. Gostam de explorar, às vezes tocando e/ou empurrando, os brinquedos, antes de pegá-los. Um dos avanços mais significativos do bebê nas habilidades motoras finas é quando ele consegue usar os dedos como uma pinça, com o polegar e o indicador. Geralmente é entre 12 e 15 meses.
Com a idade de 8 a 10 meses, os bebês começam a apreender objetos e brinquedos com os dedos com alguma dificuldade, empurrando os 4 dedos contra o polegar.

Crianças dos 1 aos 3 anos de idade:

As crianças dessa idade engatinham e começam a manipular objetos de maneira mais sofisticada. Elas têm a capacidade de marcar as teclas do telefone, puxar cordas, virar as páginas de uma história ou livro ... Eles desenvolvem a chamada lateralidade da mão direita ou esquerda e começam a explorar brinquedos e objetos enquanto os nomeiam.
Quando desenham, não fazem mais apenas rabiscos, eles começam a ter habilidade para fazer círculos ou quadrados.

Crianças dos 3 aos 4 anos de idade:

Nesta fase, as crianças são confrontadas com tarefas mais difíceis, como comer com utensílios ou amarrar cadarços. É um grande desafio para elas, porque o sistema nervoso não amadureceu o suficiente para ser capaz de enviar mensagens complexas do cérebro para os dedos. Além disso, os músculos que são pequenos, se cansam mais facilmente do que os grandes. Deve-se notar que as habilidades motoras grossas requerem mais energia do que as habilidades motoras finas. Isso explica por que existe uma diferença entre o desenvolvimento de habilidades motoras grossas e habilidades motoras finas, nessa idade.
Uma criança com 3 anos pode ter algum controle com pinturas e desenhar um círculo ou pessoas, mas ela fará isso de uma maneira simples. Crianças de 4 anos podem usar tesouras, desenhar várias formas geométricas, amarrar grandes botões de roupas, fazer figuras de plasticina, escrever seu nome em letras maiúsculas ...

Crianças com 5 anos de idade:

Com essa idade, a maioria das crianças já avançou bastante em habilidades motoras finas. Elas podem cortar e colar figuras ... e etc.
Podemos, portanto, observar que o desenvolvimento do grafismo não se dá só através de exercícios gráficos específicos com as mãos, porque a prontidão para a escrita, na verdade, não começa nas mãos e nos dedos propriamente ditos, mas na globalidade do próprio corpo, em interação com seu mundo interno e externo. Interação esta que inicia o seu desenvolvimento ainda no útero materno.
Portanto, para exercitar o grafismo, não necessitamos somente de uma mão firme, mas, também de um corpo que tenha passado pelo brincar e desfrutado dos espaços e do tempo, se virando para a esquerda, para a direita, rolando, se arrastando, engatinhando, andando, pegando, puxando, soltando, agarrando, lançando, pulando, correndo, saltando, freando, balançando, falando, gritando, sussurrando, rabiscando, rasgando, amassando, pintando, desenhando...
Além disso, antes de um indivíduo passar por qualquer exercício gráfico, é importante que ele já tenha vivenciado também rabiscos espontâneos, com materiais de diversas espessuras e tamanhos, jogos com bolas e também já tenha trabalhado bastante com pintura a dedo, massa de modelar, ou equivalentes. Estas atividades fortalecem os músculos das mãos e dos dedos, desenvolvendo a destreza manual.
Apesar de os fatores de ordem hereditária e neurológica serem de forte influência no desenvolvimento dos indivíduos, podemos dizer que é esse conjunto de atividades e experiências, que, desde o nascimento, vai levar o indivíduo não só ao seu desenvolvimento motor, mas, também à construção da sua longa marcha cognitiva, conforme nos pontua a Teoria Piagetiana. – (PULASKI, 1986 e PIAGET e INHELDER - 1993).
“Entre as ideias fundamentais de Piaget, é preciso também destacar que não é a consciência o ponto de partida da vida psíquica, mas a AÇÃO: o desenvolvimento cognitivo consiste em uma mentalização progressiva da Ação.” GOLSE, B. – 1998
Durante a execução de qualquer exercício de grafomotricidade, é importante que se observe a postura corporal e a forma como o indivíduo segura o instrumento de escrita. Na execução também é importante observar que as mãos não devem estar suspensas e sim, sempre apoiadas e deslizando no papel.
Do Ato ao Gesto Gráfico trabalha não só com o desenvolvimento da grafomotricidade, mas, também leva os indivíduos à internalização de aquisições cognitivas subjetivas, tais como: Conservação, Classificação e Seriação.
A seguir, um dos capítulos sobre a descoberta do gesto gráfico:

DESCOBRINDO O GESTO GRÁFICO:

ATO – “O que se está fazendo. Ação.” – “Acontecimento que decorre de um ser dotado de
vontade, que por ele se responsabiliza livre e conscientemente” – AURÉLIO – pg.195 -1986

GESTO – “Ação, ato em geral, brilhante.” - AURÉLIO – pg.849 – 1986.

ATO GRÁFICO – “É o produto da criança sobre a folha, da maneira como esta vai
organizando-se no curso do desenvolvimento.” - F. BOSCAINI – pg.24 – 1998

GESTO GRÁFICO – “Organização do movimento gráfico, estritamente relacionada
com o desenvolvimento da motricidade geral, mas sobretudo com aquela do membro
superior. O controle progressivo dos movimentos do braço permite à criança desenvolver
o próprio repertório gráfico, e então reproduzir certas formas que tornam-se a base tanto
para o desenho quanto para a escrita.” - F. BOSCAINI – pg.24 – 1998
PRODUTO GRÁFICO – Pensando sobre as afirmativas de BOSCAINI (1998), podemos considerar como produto gráfico “o resultado do movimento efetuado pela criança e fruto da sua competência cognitiva e da maturidade afetiva e relacional.”

O objetivo do livro é trazer novas estratégias que levem os indivíduos a desenvolverem-se graficamente, com a conscientização de não impor um ideal gráfico mas sim fazer um percurso através do próprio corpo e do próprio desenvolvimento; ir descobrindo e fazendo a passagem, do ato ao gesto gráfico, de forma evolutiva e singular. E através deste objetivo, verificar que, concomitantemente, estes indivíduos também estarão sendo preparados para a leitura, decodificando linhas, formas diversas, direções, figuras geométricas e atuando com ritmo no espaço e no tempo. Desta forma estaremos, também, preparando-os para a aprendizagem conceitual, reorganizando-os nas aquisições subjetivas da cognição, refazendo atividades de base.

Na literatura referente ao estudo das produções gráficas, BOSCAINI (pg.7 -1998) nos diz: “Todos os trabalhos sobre atividade gráfica, oferecem resultados parciais por não ter sido feito por ninguém, até o momento, uma verdadeira síntese”.

Na parte prática do grafismo, pretende-se dar oportunidades para a aquisição do traçado através de pontos, linhas, espaço livre e espaço delimitado. Tudo com bastante ritmo e de forma lúdica, objetivando instrumentalizar física e mentalmente cada um, para que alcance sua autonomia gestual gráfica, sem perder de vista o emocional, o neurológico e as funções motoras, que uma vez comprometidos, demandariam outro tipo de trabalho, ou até mesmo um atendimento multidisciplinar.

Ainda, segundo BOISCAINI (pg.8 – 1998), “...encontram-se aqui implicados, ao
mesmo tempo, elementos motores, espaço-temporais e visuo-cinestésicos, além do
componente afetivo-cognitivo, todos elementos próprios da psicomotricidade”.

E falando em psicomotricidade, podemos nos lembrar de humano, que nos fará lembrar Winnicott, dizendo que é bom ser humano. E para falar de humanos, teríamos que tecer comentários que poderiam ser abordados a partir de diversos vieses, o que, certamente, nos conduziria a percorrer as mais variadas ciências, expressando assim a gama de especificidades necessárias para, de fato, se compreender o que é ser humano, tal a complexidade.

A intenção, no livro, é percorrer sobre o humano sim, mas através do viés do desenvolvimento, passando pela ciência da aquisição do conhecimento e especificamente sobre indivíduos que estão tentando adquirir capacidade para se comunicar através da escrita. E, para tanto, não basta que os mesmos estejam aptos em sua maturação neurológica.
O ser humano desenvolve sua capacidade cognitiva, ou seja, sua capacidade de adquirir novos conhecimentos, agindo e interagindo no meio em que vive, sendo os mais privilegiados aqueles que mais oportunidades tiverem para interagir, e maiores estímulos receberem de seu meio ambiente, surgindo, assim, um ser emergente.

Em relação ao desenvolvimento do grafismo, é importante que, antes de iniciarmos a proposta deste livro, permitamos o emergir de cada indivíduo, oferecendo oportunidades para que desfrute, naturalmente, de diversos materiais tais como: água, areia, argila, tinta, massa de modelar, giz, pincel, hidrocor, lápis, caneta, espaço físico, espaço gráfico, etc...

Propositalmente, não houve uma preocupação em fazer uma divisão classificando seu conteúdo de Sugestões Gráficas quanto às diversas especificidades, tais como: atividades de esquema corporal, de coordenação óculo-manual, de organização e estruturação temporal, de ritmo, etc... Por quê? Justamente para não caracterizar uma reeducação, onde se coloca em evidência o sintoma a ser trabalhado, e, sim, torná-la uma atividade lúdica e progressiva, onde os indivíduos, na medida do possível, possam atuar de forma livre e espontânea. Descobrir através dos objetos e do espaço, suas possibilidades, e, relacionar-se com regras, já que existe um mediador para as propostas. E é aí, em cada atuação, tanto livre quanto orientada, que
acontece o desenvolvimento global e o específico.
Resumindo, podemos dizer que, no mesmo momento de atuação, pode se estar trabalhando: esquema corporal, orientação espacial, rítmo e etc. E quanto mais o indivíduo atuar de forma natural e/ou espontânea, certamente, será mais terapêutico. E o ser mais terapêutico, nas atividades, é poder tratar da vida intelectual do indivíduo no sentido de absorver, adquirir aquisições subjetivas, internalizar, aprender e ser capaz; de uma forma tranquila, evolutiva e sem sofrimentos, já que a inteligência se elabora em uma atividade estruturante, à medida que a criança vai entrando em contato com a experiência.

As atividades sugeridas neste livro, são um meio de tentar “sistematizar” os elementos básicos que deveriam ser adquiridos pelo indivíduo, de forma livre e espontânea, mas que por algum motivo não conseguiram; e que ao dominá-los, pretende-se que torne-se apto a ser alfabetizado e ao mesmo tempo desenvolva suas capacidades, motivando-se também na criatividade e respondendo, assim, à demanda escolar.

É uma forma de levar o indivíduo a desenvolver a motricidade fina e a se preparar para a aquisição da escrita e da leitura, através de um corpo que ainda clama por espaço, tempo, movimento e ação.

São, realmente, atividades lúdicas que dão espaço para a inventividade, fortalecendo elementos da psicomotricidade, fundamentais para o desenvolvimento da grafomotricidade e para a construção da subjetividade cognitiva, potencializando o indivíduo para sua aprendizagem formal e colocando em ação mecanismos de:
- Atenção - Concentração - Percepções (visual e auditiva) - Ritmo - Tônus - Equilíbrio; Lateralidade - Coordenação Motora Ampla - Coordenação Motora Fina - Orientação Espacial - Esquema Corporal - Relação Espaço-Temporal (Que é a precisão do corpo no espaço, equilíbrio postural, precisão do ato voluntário e do livre jogo dos automatismos)
ESTRUTURAÇÃO ESPACIAL – “É a orientação, a estruturação do mundo exterior referindo-se primeiro ao EU referencial, depois a outros objetos ou pessoas em posição estática ou em movimento”. J.M. TASSET em DE MEURS STAES – pg.13 - 1984
“O gesto gráfico está sob a influência imediata do cérebro. Sua forma não é modificada pelo órgão escritor se este funciona normalmente e se encontra suficientemente adaptado à sua função.” - SOLANGE PELLATI (Site Geocities – 2000).

Finalizando, “Do Ato ao Gesto Gráfico”, só pretende sugerir uma das formas de adaptar o mecanismo muscular à função da escrita, para atingir um produto gráfico sempre com as mesmas peculiaridades, ou seja, descoberta e manutenção da singularidade gráfica.

BIBLIOGRAFIA:

BETENCOURT (M.L.S.), Do Ato ao Gesto Gráfico
Sugestões Psicomotoras, Cinestésicas e Gráficas para a aquisição da Lecto-Escritura, Edição do Autor, Rio de Janeiro, 2007
BOSCAINI (F.), Psicomotricidade e Grafismo - Da Grafomotricidade à Escrita, Sette Letras, Rio de Janeiro, 1998
DE MEURS (A.) e STAES (L.), Psicomotricidade, Educação e Reeducação, Editora Manole, São Paulo, 1984
GOLSE (B.), O Desenvolvimento Afetivo e Intelectual da Criança, Artmed, Porto Alegre, 1998
PELLATI (S.), Site Geocities, 2000
PIAGET (J.) e INHELDER (B.), A Representação do Espaço na Criança, Artes Médicas, Porto Alegre, 1993
PULASKI, (M.S.A.), Compreendendo Piaget (Uma introdução ao desenvolvimento cognitivo da criança, Editora LTC, 1986

Livro da Autora:

BETENCOURT (M.L.S.), Do Ato ao Gesto Gráfico – Sugestões Psicomotoras, Cinestésicas e Gráficas para a aquisição da Lecto-Escritura, Edição do Autor, Rio de Janeiro, 2007
Link para compra do livro:
https://www.facebook.com/commerce/products/1604176436321339/

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