Psicomotricidade: Um Mergulho No Mundo Sensorial

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSICOMOTRICIDADE I CONGRESSO INTERNACIONAL DE PSICOMOTRICIDADE XIV CONGRESSO BRASILEIRO DE PSICOMOTRICIDADE

PSICOMOTRICIDADE: UM MERGULHO NO MUNDO SENSORIAL

Autor:

Andréa Gonçalves da Luz
Graduada em Psicomotricidade (IBMR), Mestranda em Psicanálise e Políticas
Públicas – UERJ, Terapeuta Snoezelen/MSE – AMCIP.
daluz32@yahoo.com.br

Palavras-Chave:
Psicomotricidade, Snoezelen/MSE, Estimulação sensorial.

RESUMO

O presente artigo se propõe em fazer uma interlocução da psicomotricidade com os estudos relacionados ao sistema sensorial e a intervenção psicomotora em sala multissensorial Snoezelen/MSE.
Como sabemos, a psicomotricidade desde a sua constituição atua na estimulação das bases sensoriais, a ludicidade que permeia os atendimentos, trazendo leveza e despertando o desejo pelo movimento, conduz um sujeito que é formado pelos seus sentidos, rumo a um processo de desenvolvimento harmônico.

Segundo Edmans (2004), a criança desenvolve a capacidade de organizar inputs sensoriais, capacidade para selecionar, adquirir, classificar e integrar as informações, por meio da experiência com sensações. Através disso, a criança precisa de atividades que envolvam todo esse conjunto para desenvolver e aprimorar a psicomotricidade (motricidade fina, global, equilíbrio, esquema corporal, organização espacial e temporal).

A intervenção psicomotora em um ambiente com recursos sensoriais, que acolham o paciente em suas demandas, podem auxiliá-lo na autorregulação, melhorando o nível de alerta necessário para uma melhor aprendizagem e desenvolvimento psicomotor.

O atendimento em uma sala MSE, torna-se um recurso tecnológico valioso, que favorece ao paciente um espaço de acolhimento e estímulos prazerosos, auxiliando-o a uma rápida evolução.

À vista disso, é importante que o psicomotricista tenha uma formação em estimulação sensorial e conhecimentos sobre o manuseio dos equipamentos, pois os materiais da sala MSE são recursos que auxiliarão na estimulação de áreas específicas, favorecendo o desenvolvimento do paciente.

Objetivos

O objetivo proposto nos atendimentos de psicomotricidade em salas MSE, consiste em uma atuação lúdica e prazerosa, visando através da estimulação dos canais sensoriais o desenvolvimento psicomotor, bem como favorecer uma melhora na coordenação e planejamento dos movimentos, para que o paciente obtenha sucesso nas atividades que desenvolve.

Material e Métodos

O nome snoezelen vem da junção de duas palavras, SNUFFELEN = cheirar e DOEZELEN = relaxar. O conceito terapêutico surgiu na Holanda na década de 60, por Ad Verheul terapeuta ocupacional e Jan Hulsegge músico, de forma visionária idealizaram atendimentos a pacientes com graves transtornos psiquiátricos e psicomotores, pacientes desacreditados e desinvestidos terapeuticamente, que viviam em regime de isolamento devido as suas dificuldades de socialização e implicações psíquicas.

Ambos pesquisaram recursos que despertassem sensações de relaxamento e estímulos às áreas cognitivas. “Pensou-se na sua reintegração, criando núcleos próximos ao instituto, porém descentralizados, onde os pacientes pudessem conviver uns com os outros, tivessem liberdade para com as suas próprias atitudes e realizassem trabalhos” (Ad Verheul).

A ideia inicial foi desenvolver nas casas experiências sensoriais, cada unidade seria independente, como uma família normal, onde os moradores preparariam sua própria alimentação e haveria muita interação, além de poderem receber as suas famílias quando quisessem.

Com isso, a princípio, cada casa montou seu ambiente sensorial, com camas especiais, mobílias e objetos coloridos e sonoros, coisas, enfim, caseiras. Nesse local há recreação, além de vários outros recursos. (Ad Verheul)

Em 1966, os psicólogos americanos John Cleland e Andrew Clark, se uniram para desenvolver um estudo mais aprofundado do snoezelen. “Os psicólogos organizaram salas e quartos devidamente apropriados para que os indivíduos pudessem ver, sentir, cheirar, ouvir e vivenciar experiências de forma diferente” (Sella, 2008).

Nesse estudo, eles contavam com pacientes com diagnósticos variados, incluindo a hiperatividade e o autismo.

A partir de então, as salas multissensoriais Snoezelen, começam a expandir-se pela Europa e em 2005 chega ao Brasil através da AMCIP - Associação Mantenedora do Centro Integrado de Prevenção, atendendo inicialmente cerca de 30 crianças com diferentes diagnósticos. Atualmente no Brasil, o Snoezelen está presente em santa Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espirito Santo, Bahia, Goiás, Brasília e Pernambuco.

As salas são compostas por dois ambientes, a sala branca que é um ambiente multifuncional, destaca a diversidade de cores que são projetadas em suas paredes e equipamentos de efeitos e a sala negra, que auxilia na estimulação visual e no aumento do limiar de atenção, neste ambiente o mobiliário, o teto, as paredes e o assoalho, são negros, contrastando com objetos brilhantes e neons, com o uso extensivo de luz ultravioleta e equipamento reativo para este tipo de iluminação.

Os recursos sensoriais mais utilizados são: fibra óptica, painéis e assoalhos interativos, esteira vibromassageadora, bubble tubes, projetores de efeitos, espelho elétrico, mangueiras fluorescentes, mosquiteiros, máquinas de bolinhas de sabão, spots, massas de modelagem fluorescente, lanternas elétricas, dentre outros.

Todos os equipamentos e acessórios utilizados, tem como objetivo a estimulação sensorial, que podemos destacar em categorias:

  • Estimulação visual: objetos luminosos ou fluorescentes, com cores e formas diferentes, que auxiliam na discriminação visual, no aumento do limiar de atenção e na concentração.
  • Estimulação auditiva: materiais sonoros, que promovem relaxamento em pacientes com alerta alto, ou em pacientes com alerta baixo, promovem um despertar, auxiliam na organização rítmica, na percepção temporal e na comunicação.
  • Estimulação tátil: objetos com formas, texturas, consistência, temperatura e pesos diferentes, que auxiliam na percepção e na discriminação tátil.
  • Estimulação olfativa: difusor com aromas variados, responsáveis em promover a discriminação e a associação de aromas, relaxamento e melhora na qualidade da memória.
  • Estimulação gustativa: alimentos com sabores, texturas e cores variados, que auxiliam na memória, na discriminação e na associação.
  • Estimulação proprioceptiva e vestibular: equipamentos suspensos como balanço, cavalo, prancha de equilíbrio, dentre outros.

Os atendimentos em salas MSE, ocorrem uma vez por semana, com uma duração de aproximadamente 20 minutos. Em uma equipe interdisciplinar, somente um profissional será o terapeuta de referência do paciente, os objetivos terapêuticos são propostos para evoluírem durante seis meses, caso não ocorra nesse tempo, o terapeuta seguirá com o paciente por mais um período de seis meses, a partir daí, outro profissional da equipe em que há uma demanda para o caso deste paciente, assumirá como referência para atendimento na sala MSE.

No setting terapêutico, há pouco comando de voz, o paciente é guiado na sala pelas vias sensoriais, é claro que em alguns casos haverá necessidade do comando verbal, mas ele não deverá ser o meio de condução para que o paciente realize as atividades e sim um auxílio nos momentos necessários.

Em uma atuação da psicomotricidade em sala MSE, o psicomotricista iniciará os atendimentos em sala convencional, pois o paciente deverá ser trabalhado por um tempo determinado antes de iniciar as sessões em sala MSE, pode-se desta forma introduzir aos poucos os estímulos sensoriais durante os atendimentos de psicomotricidade, os recursos auxiliariam como mecanismos de fundo de cena e preparariam o paciente para um trabalho mais profundo posteriormente.

Cabe ressaltar sobre a importância do psicomotricista ter um conhecimento prévio sobre a estimulação sensorial, ter noções dos estímulos que determinadas cores e aromas podem provocar nos pacientes, agregar na anamnese informações que poderão auxiliar nas dinâmicas, que serão desenvolvidas nas salas, em uma equipe interdisciplinar, caberá ao Terapeuta Ocupacional a função de traçar o perfil sensorial do paciente e auxiliar o terapeuta de referência no plano de atendimento.

Pinkney (1997), descreve o Snoezelen/MSE como um meio de fornecimento de estímulos sensoriais para os sentidos primários de visão, audição, tato, paladar e olfato através do uso de iluminações, efeitos, superfícies táteis e música.

Desta forma, tais recursos seriam inseridos nas dinâmicas promovendo os estímulos necessários para o desenvolvimento evolutivo do paciente. A preparação do ambiente e o cuidado em proporcionar a regulação dos sentidos que estão em desajuste, dependerá do conhecimento do psicomotricista sobre o diagnóstico, do vínculo que fora construído com o paciente e o domínio de manuseio dos equipamentos.

Em uma dinâmica que tenha como proposta o circuito psicomotor, a sala deverá estar escura tendo em vista somente o circuito para que o paciente sem o comando verbal possa manter-se focado naquela direção, limpando visualmente todo o ambiente, deixando em destaque o material que será utilizado, isso auxiliará na qualidade do limiar de atenção. Uma música de fundo e um aroma na sala (adequado a necessidade do paciente), poderão estar em segundo plano, mas dependendo do paciente pode ser opcional.

As fibras ópticas podem auxiliar na organização e orientação espacial, cabendo ao psicomotricista utilizar o equipamento de forma criativa.
O piso interativo pode ser utilizado para trabalhar o equilíbrio e a propriocepção, o tema que estará presente no piso, pode se transformar em uma história que transportará o paciente para um mundo de fantasias, sem que ele se sinta em uma sala de atendimento terapêutico.

O jardim sensorial com sua fonte, animais e plantas pode ser um cenário para se construir várias possibilidades de intervenções, visando trabalhar a estimulação tátil, a coordenação óculo-manual, a lateralidade a coordenação bilateral dentre outras possibilidades.

O banho sensorial em uma banheira ou ofurô, trabalhando a percepção corporal através do estímulo tátil, a modulação tônica e o relaxamento. São inúmeras as possibilidades do trabalho que o psicomotricista pode produzir num ambiento totalmente lúdico como os das salas snoezelen/MSE.

Resultados

O snoezelen apesar de contar com uma atuação de quase 60 anos e ainda estar em fase de disseminação pelo mundo, não dispõe de uma vasta literatura, existem poucos registros bibliográficos; no campo prático, inicia-se um movimento de ampliação em pesquisas para a organização de produção científica. Em 2020, haverá a III Jornada Multissensorial em Caxambu MG, bem como a criação da primeira revista, reunindo artigos de profissionais de diversas áreas tratando sobre o tema.

Quanto a sua eficácia na medição da dor crônica, já foi comprovada, através dos estudos desenvolvidos por Patricia A. Schofield, especialista em dor crônica (Schofield et al., 1998), em pacientes autistas (Kaplan et al., 2006) e em adultos com disfunção intelectual severa. (Lindsay et al., 2001).

Contamos com diversos estudos, que legitimam a importante do ambiente lúdico e do brincar como um facilitador no processo de desenvolvimento e maturação do cérebro, as habilidades motoras, sensoriais e emocionais são, muitas vezes, adquiridas através do brincar, pois brincando a criança estimula a musculatura, o sistema cognitivo e interage socialmente (FERLAND, 2006). É através da ludicidade que a criança

[…] explora o seu corpo e o seu ambiente, desenvolvendo as sensações extereoceptiva, proprioceptiva e vestibular. Além disso, sua curiosidade é estimulada, ela aprende a agir, adquire iniciativa e autoconfiança, desenvolve a linguagem, o pensamento e a concentração, tendo uma função vital para o indivíduo principalmente como forma de assimilação da realidade (Mitre, 2000; Mitre & Gomes, 2004; Moura & Silva, 2005)

A infância é uma fase em que o individuo adquire inúmeras habilidades motoras e sensoriais aprendendo a organizar as respostas aos estímulos que sofre no decorrer dos seus primeiros anos de vida (BEE, 2011). Segundo Serrano (2016), em cada interação com o meio a criança recebe inúmeras informações que são encaminhadas para o sistema nervoso, onde são discriminadas e correlacionadas para que possam fazer sentido.

Através de estudos sobre o tema, entendemos que o Sistema Nervoso Central (SNC) controla e coordena todas as funções do organismo, tornando-o responsável pelo desenvolvimento do individuo.
Esse processo depende da maturação, ou seja, da capacidade que o individuo tem de se apropriar do seu meio, modificando seu comportamento e estabelecendo a aprendizagem.

Pode-se citar a plasticidade do Sistema Nervoso (SN) e a influência do ambiente como aspectos relevantes para a maturidade do organismo (Dangelo & Fattini, 2002; Gallahue & Ozmum, 2005; Lent, 2002).

Nos primeiros anos de vida a criança aprende a integrar seus sentidos, isto ocorre de forma natural por meio de interações sociais e de brincadeiras exploratórias. Todas essas ações resultam em informações sensoriais para o cérebro, contribuindo para o seu processo de organização e integração.

Shapiro et al. (1997), citado por Harris et al (2006), em sua pesquisa, reforça que crianças com deficiência intelectual moderada e grave, apresentariam diminuição de frequência e duração dos comportamentos desajustados em uma sala Snoezelen. O estudo realizado por Hotz (2006), revelou efeito benéfico das alterações cognitivas e comportamentais da terapia Snoezelen em crianças com lesão cerebral grave.

Discussão

Somos constituídos a partir da estimulação de nossos canais sensoriais (olhar, toque, cheiro, boca, pele, sensações proprioceptivas e vestibulares), a estimulação destes canais, por aquele que exerce a função materna, nos faz sujeito, dando sentido a um corpo que inicialmente é puro reflexo.

O bebê confortado, aquecido e saciado pelos afetos e cuidados maternos, se faz expressivo e sensível ao outro e ao meio. Freud (1950 [1895]), em seus estudos sobre o desamparo estrutural, aborda o caos que o bebê está envolto em meio aos seus reflexos e aos estímulos endógenos e exógenos que sofre e que o remete ao estado de desamparo, a forma como o outro materno o acolhe e o auxilia respondendo aos seus apelos frente a estes estímulos, lhe dará recursos para se estruturar subjetivamente.

Com o que abordamos neste artigo, foi possível entender que uma adequada ação motora requer a integração e a utilização contínua de múltiplas informações sensoriais (por exemplo, visual, vestibular e somatossensorial) para coordenar e controlar a ação motora desejada (BONFIM, BARELA, 2007).

Percebemos também, que tanto o meio interno, quanto o meio externo nos proporcionam estímulos sensoriais, que nos tocam e nos fazem organizar recursos para a recepção, processamento e resposta, para isto contamos com um conjunto de órgãos que são capazes de perceber as variações do meio externo e informar continuamente o nosso sistema nervoso sobre tudo o que ocorre à nossa volta, possibilitando assim, o necessário ajuste interno às condições variáveis do meio em que vivemos. Segundo Tomita (1999), Uma das metodologias utilizadas buscando estes objetivos é o Snoezelen.

Considerações Finais

O presente artigo possibilitou compreender, a importância da organização do sistema sensorial para o desenvolvimento psicomotor, bem como, a atuação do psicomotricista em uma sala MSE, proporcionando a estimulação dos sentidos de foma lúdica, favorecendo a estruturação do canal perceptivo, integrando as sensações, coordenando os movimentos, promovendo assim novas adaptações do sujeito com seu corpo, com o meio e com o outro.

Referências Bibliográficas:

DURÃO, A.G. A importância da integração sensorial no desenvolvimento infantil. 2014. Disponível em http://www.crefito10.org.br/conteudo.jsp?idc=181 Acesso em: 27 maio 2017.
FONSECA, Vitor. Desenvolvimento psicomotor e aprendizagem. Porto Alegre: Artmed, 2008.
FREUD, Sigmund. Projeto para uma psicologia científica ([1895]1950). In: _______. Obras Psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
LE BOULCH, Desenvolvimento psicomotor do nascimento até os seis anos. PA, Artes Médicas, 1988.
LEVIN, Esteban. A infância em Cena, constituição do sujeito e desenvolvimento psicomotor. Rio de Janeiro: Vozes, 1997.
LEVIN, Esteban. A clínica psicomotora: o corpo na linguagem. Petrópolis: Vozes, 1995.
SELLA, Marisa A. P (Org). Snoezelen/MSE em busca da essência da vida. Curitiba: Multideia, 2017.

4 Respostas

  1. Sensacional!! Acho que deveríamos ter mais artigos relacionados ao tema sensorial. Respeitando cada especialidade, mas a Psicomotricidade tem a prática de integração sensorial, não usamos o método, mas a prática está associada a psicomotricidade!!
    • (ABP)
      Obrigada por seus comentários, Cristiane. A Psicomotricidade é o nosso campo e o território que queremos povoar do modo mais valioso e produtivo para a vida de cada indivíduo e da sociedade como um todo. Siga a ABP nas redes sociais: @abp.capitulonacional

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